Em uma sociedade que dependia de energias não renováveis, a mudança climática impulsionou uma revolução energética. O desafio hoje é como armazená-las e otimizá-las para poder nos beneficiar ao máximo delas.
Era uma vez uma sociedade onde quase tudo o que seus indivíduos possuíam precisava consumir energia elétrica não renovável e/ou grandes quantidades de combustível. Com o tempo, essa sociedade percebeu que seu modelo de consumo energético aumentava cada vez mais o buraco na camada de ozônio, devido à emissão de algo chamado gases de efeito estufa.
Logo, essa sociedade tomou consciência e decidiu limitar essas emissões e tentar não aumentar em mais de 2 graus a temperatura global em relação aos níveis pré-industriais. Esses esforços incluíram a criação de conferências globais, mercados de CO₂, a incorporação de termos como mudança climática, processos zero emissões, modelos energéticos, eletrificação do consumo, hidrogênio como vetor energético, sistemas energéticos sustentáveis e resilientes… e muito mais. Essa sociedade não está distante, essa sociedade é, na verdade, a nossa.
Já faz um tempo desde que começamos a apostar nas energias renováveis. Desde então, essas tecnologias passaram por um grande desenvolvimento e um aumento exponencial de sua capacidade instalada, incluindo também as usinas hidrelétricas como fontes de energia limpa por não gerarem emissões.
Alguns de nossos avanços são tão incríveis como o que conseguimos na costa oeste da Inglaterra com o Haliade-X da GE Renewable Energy que é uma das turbinas eólicas marinhas mais potentes do mundo: conta com uma capacidade de entre 12 e 14 MW, um rotor de 220 metros e pás de 107 metros.
Também conseguimos ter plantas fotovoltaicas com tanta capacidade instalada como uma central de ciclo combinado (centrais que produzem energia queimando gás mediante turbina a gás + caldeira de recuperação + turbina a vapor). Por exemplo, a usina fotovoltaica Francisco Pizarro em Cáceres conta com 553 MW, o que equivale a uma superfície de mais de 778 campos de futebol.
No entanto, a dúvida clássica tem relação com a gestão do sol e do vento: o que acontece quando há muita energia renovável? E quando está nublado ou quando o vento não sopra com intensidade suficiente? Porque, independentemente da meteorologia, queremos chegar em casa e ter água quente no chuveiro.
Aqui é necessário proporcionar certo contexto: cada país (do primeiro mundo) tem assegurado seu fornecimento energético graças a, primeiro, as plantas de geração de diferentes tecnologias (renováveis e convencionais) que se denomina mix energético e segundo, a rede de transporte e distribuição de energia que produzem tais plantas. Hoje em dia, ainda parece quase mágico esse equilíbrio horário entre geração e demanda que os operadores dos sistemas elétricos conseguem manter.
Quando não temos sol e vento, acionamos os ciclos combinados, mas nos incomoda queimar gás para gerar eletricidade, pois isso nos impede de sermos tão “verdes” quanto deveríamos e nos faz temer não alcançar nossos compromissos europeus de redução de emissões. Além disso, quando há um excesso de geração renovável, ocorrem os chamados curtailments, ou seja, uma sobreprodução de energia que não pode ser injetada na rede elétrica, já que esta possui uma capacidade limitada.
Poderia parecer que chegamos a um limite, uma espécie de barreira para a produção de energia, mas será que é realmente assim? Vamos ver quais são algumas das soluções mais viáveis para gerenciar a falta ou o excesso de energias renováveis no sistema elétrico.
A solução está nos sistemas de armazenamento de energia. Embora pareça surpreendente, existem vários métodos para armazenar energia: sistemas com equipamentos de ar comprimido, volantes de inércia, hidrogênio, termosolares com sais fundidos, supercondensadores, etc. No entanto, aqueles que mais são mencionados ultimamente, e se encontram entre nossos ativos segurados, são os recipientes de baterias de íon lítio chamados BESS (Battery Energy Storage System) e as centrais hidráulicas reversíveis. Mas em que consistem e como funcionam?
Ambas as tecnologias apresentam suas vantagens e desvantagens:
1. Os BESS funcionam armazenando eletricidade em períodos de baixa demanda ou quando há excesso de produção e liberando-a quando a demanda é alta ou quando há interrupções no fornecimento elétrico. A carga destas baterias pode vir tanto da própria rede elétrica como de instalações de energia renovável (é muito comum encontrar recipientes de baterias em usinas fotovoltaicas). Contam com um sistema de gestão chamado BMS (Batery Management System) que supervisiona continuamente o estado das baterias, controlando fatores como a carga, a temperatura e o ciclo de vida para garantir que o funcionamento seja seguro e eficiente. Uma das diferenças em relação a uma bateria comum é seu software chamado EMS (Energy Management System), que permite identificar o momento ideal para liberar a energia armazenada, proporcionando uma gestão eficiente.
Vantagens:
- Fornecimento constante e confiável de eletricidade
- Permitem uma maior penetração das energias renováveis no mix energético
- Flexibilidade na hora de gerenciar a demanda de energia
- São considerados sistemas de backup já que permitem manter a estabilidade da rede
Desvantagens:
- Os materiais do cátodo das baterias de íon-lítio são escassos, a extração é cara e, geralmente, são encontrados em países em desenvolvimento.
- Tais materiais podem ser prejudiciais tanto para o meio ambiente como para as pessoas
- A desvantagem mais preocupante do ponto de vista segurador: risco de incêndio (embalagem térmica ou thermal runaway)
- Custo inicial: Apesar de a redução de custos ter sido significativa nos últimos anos, esses sistemas ainda são caros, especialmente para aplicações em grande escala.
2. As centrais hidráulicas reversíveis, também chamadas centrais de bombeamento podem. Essas plantas podem gerar eletricidade e armazená-la. A produção de energia elétrica em uma central hidráulica reversível ocorre de forma semelhante à de uma usina hidrelétrica convencional: a queda da água de uma determinada altura faz girar uma turbina. A principal diferença entre uma central hidrelétrica convencional e uma reversível é que a última também pode armazenar energia para uso posterior. Para isso, a central conta com dois reservatórios em alturas diferentes. Durante os períodos de baixa demanda energética ou quando há excesso de geração de energia, a central utiliza a eletricidade excedente para bombear água do reservatório inferior até o superior. Nesse último, a água fica armazenada e, quando há uma alta demanda por eletricidade, é liberada para passar pelas turbinas, gerando energia à medida que desce para o reservatório inferior.
Vantagens:
- Produção de energia limpa: já comentamos que é uma tecnologia livre de emissões.
- Flexibilidade energética: podem ajustar com facilidade a produção de eletricidade segundo a demanda em cada momento.
- Resposta rápida: uma central hidrelétrica reversível pode começar a gerar energia em questão de minutos. Esta rapidez a converte em uma solução eficaz para administrar picos de demanda repentinos ou para compensar a perda de capacidade de outras fontes de energia, o que proporciona estabilidade à rede elétrica.
Desvantagens:
- Impacto no ambiente: a construção da central e dos reservatórios podem gerar mudanças no ecossistema e, por sua vez, afetar a flora e fauna locais.
- Dependência do recurso hídrico: a água é um recurso renovável, mas sua disponibilidade pode ser afetada por fatores como a estação do ano em que nos encontramos, mudanças nos padrões de precipitação ou períodos de seca.
- Investimento inicial: embora o custo relativo da energia seja reduzido graças à sua longa vida útil, o investimento inicial da construção é muito alto.
Autor do texto:
Sandra Caballero é engenheira de riscos no Departamento de Engenharia da Mapfre Global Risks. Ela tem um total de 20 anos de experiência, 16 deles na área de manutenção industrial e os últimos 4 no cargo que ocupa atualmente na MGR.
