A indústria aeroespacial evoluiu sempre ao lado dos desenvolvimentos tecnológicos, o que permitiu aperfeiçoar sua competitividade e capacidade de pesquisa, ao mesmo tempo que agia como impulsionadora de avanços em outras disciplinas. O elevado crescimento e investimento em P+D está propicia a manifestação de capacidades digitais em campos como composição de materiais, combustíveis, comunicações ou segurança, cuja implementação e adaptação aos projetos espaciais terão grande impacto nos próximos anos.
Com um investimento anual de 19,5 bilhões de dólares em inovação, segundo menciona um recente estudo da Aviation Week Network e da KPMG, o setor espacial está à vanguarda de muitos campos tecnológicos, sendo um “gerador natural” de descobertas e de importantes avanços, como reconhece o Dr. Javier Ventura-Traveset, diretor do Escritório Científico de Navegação por Satélite Galileu e porta-voz da Agência Espacial Europeia (ESSA) na Espanha.
A nível internacional, a NASA continua sendo a agência que mais dinheiro investe no setor, enquanto a Europa é a segunda em contribuição total, “um aporte que aumentou de maneira notável durante a última reunião ministerial dos países membros da ESSA”, como assinala Ventura-Traveset. Além disso, a Rússia, o Japão e a Índia também se encontram incrementando seus investimentos em programas e tecnologias espaciais, especialmente a China, país que considera atualmente o setor espacial como uma área tecnológica prioritária: “Então, não é casualidade que em 2018, e pela primeira vez na história, a China fosse o país que mais lançamentos de foguetes realizou no mundo. O mesmo aconteceu em 2019 e acontecerá também em 2020”, destaca o especialista.
Em qualquer caso, a colaboração internacional nos desenvolvimentos tecnológicos é algo intrínseco à indústria aeroespacial. “A cooperação entre agências espaciais a nível mundial é também muito frequente, e eu diria que até obrigatória, se desejarmos realizar missões científicas ou de exploração realmente ambiciosas. No caso da Agência Espacial Europeia, a colaboração internacional faz parte de nosso DNA, com 22 países membros e cooperando com todas as agências espaciais do mundo”, assinala o diretor do Escritório Científico Galileu, que nesta linha cita o exemplo do James Webb Space Telescope, sucessor do telescópio espacial Hubble, que deveria ser lançado no ano próximo.
Tendências tecnológicas
Entre as tecnologias essenciais mais vanguardistas que estão sendo desenvolvidas na atualidade, Ventura-Traveset insiste em várias:
–Tecnologias relacionadas à propulsão e aerodinâmica em foguetes e satélites. Alternativas competitivas estão sendo investigadas para os motores atuais, como os dispositivos elétricos de propulsão espacial baseados na geração de plasma para satélites ou o desenvolvimento de motores reutilizáveis para lançadores.
–Sistemas de suporte de vida e de proteção associados às missões de exploração. Estes sistemas de última geração estão sendo desenvolvidos para o espaço, como o uso de resfriamento por evaporação para manter as temperaturas adequadas nos trajes espaciais.
–Sensores e instrumentos científicos altamente complexos para as missões de ciência e observação da terra, com maior resolução e sensibilidade.
–Tecnologias relacionadas à navegação e às comunicações por satélite. As inovações estão dando lugar a novas soluções e serviços, como satélites geoestacionários de alta capacidade, satélites com maior flexibilidade a bordo para atribuição dinâmica de recursos, constelações de nano satélites que oferecem serviços de conectividade à Internet das Coisas e grandes constelações de satélites de banda larga.
–Ciência dos materiais. Encontram-se em elaboração novos materiais metálicos e não metálicos com altas prestações para os requisitos dos produtos do futuro, como ligas avançadas leves, materiais para altas temperaturas, recobrimentos, compostos multifuncionais, materiais para novos processos como a fabricação aditiva, impressões 3D, etc.
Metodologia muito avançada no gerenciamento de programas e sistemas complexos. A engenharia aeroespacial inova em modelos de melhoria dos processos de planejamento, documentação e segurança de designs, programas e componentes dos projetos aeroespaciais, com equipamentos de trabalho multidisciplinares.
Algumas dessas tendências tecnológicas originam resultados concretos, como uma alta miniaturização nos componentes, a integração no campo espacial de tecnologias transversais, como a inteligência artificial, o processamento de grandes volumes de dados (big data), as possibilidades da tecnologia quântica no campo das comunicações e a segurança; ou o uso de tecnologias para converter a matéria autóctone lunar em recursos para a sustentação da exploração espacial humana.
Gráfico: Aplicações da indústria aeroespacial 4.0
A segurança, uma prioridade
Exatamente, um dos aspectos essenciais e intrínsecos nas inovações tecnológicas na indústria aeroespacial se relaciona com a segurança: “É simples de entender, por exemplo, a necessidade que sentimos pela definição de estritas medidas de segurança em campos como o lançamento de foguetes, naves tripuladas e na proteção aos nossos astronautas, sistemas de suporte à vida a bordo da estação espacial internacional; etc.”, menciona o porta-voz de ESA na Espanha.
Seu âmbito de influência é maior, porque também é chave no fornecimento de serviços essenciais para a Europa, como o serviço de navegação EGNOS para aviação civil, o sistema de navegação Galileu, aplicável a todos os setores da economia, os satélites de comunicação ou a segurança na prestação dos dados de observação da Terra. E ainda assume vital importância a problemática do lixo espacial, os riscos de colisão em órbita ou os riscos associados aos efeitos das tormentas solares em satélites ou astronautas. “Na ESSA, estamos trabalhando em múltiplas tecnologias para atenuar esses problemas de segurança”, constata.
Não obstante, como menciona o especialista, o setor espacial exige operar em condições extremas: “nossos satélites devem trabalhar em condições de alto-vácuo, radiação enorme, grandes gradientes de temperatura, etc.” Tudo isso representa, por exemplo, que a eletrônica a bordo deve ser de alta confiabilidade ou que os componentes pesem o menos possível, minimizando o custo associado a sua colocação em órbita. Ainda assim, durante o lançamento de uma missão, os satélites estão expostos a altos níveis de ruído, vibrações e acelerações, que podem causar corrosão ou danos nos componentes. Além disso, uma vez em órbita, os satélites estarão expostos a condições extremas como, por exemplo, mudanças drásticas de temperatura, que podem induzir estresse térmico, vibrações, rachaduras, etc. Os componentes eletrônicos a bordo devem resistir níveis altos de radiação e ionização, e o impacto de partículas carregadas ou da radiação UV do sol. “O conhecimento profundo da natureza dos materiais e o desenvolvimento de processos de fabricação avançados são essenciais para minimizar essas vulnerabilidades”, confirma o responsável da ESSA, o que exige pesquisa permanente e a elaboração de novas tecnologias e novos materiais. “Nossas missões não podem falhar, porque geralmente não podem ser consertadas uma vez estando em órbita. Assim, o desafio da confiabilidade é inerente a todos os nossos programas”, manifesta Ventura-Traveset.
Próximas missões
Como parte do objetivo tecnológico da indústria, juntamente com as missões lunares, salientam em ESSA que será realizada, durante esta mesma década, uma missão robótica de coleta de amostras marcianas, a Mars Sample Return, em que colaborarão a NASA e a Agência Espacial Europeia, que se unirá às incursões robóticas e tripuladas à Lua de forma recorrente: “Voltaremos com seres humanos à órbita lunar e à sua superfície, e desta vez será para ficar, com uma estação em órbita cislunar, a estação espacial Gateway, resultado da colaboração internacional com uma contribuição importante da Europa”, assegura o especialista.
Na ciência, os principais avanços se concentram nas possibilidades de observação com ondas gravitacionais e, neste campo, a futura missão LISA, da ESSA, pode revolucionar a compreensão do universo em geral. Existem também outras missões em andamento para a compreensão do universo escuro, como Euclid (ESSA), prevista para 2022; ou a procura por vida fora da Terra através, por exemplo, da análise de exoplanetas.“Este é um campo em que podemos dizer, com certo orgulho, que a Europa lidera atualmente a pesquisa a nível mundial com as missões CHEOPS, PLATO e Ariel.”
A vigilância ambiental do planeta e o monitoramento da mudança climática são também prioridade total na atualidade, com nosso continente à frente, devido a que possui o programa de observação da Terra mais ambicioso do mundo: o Programa Copernicus. Também há trabalho sendo realizado em missões que sejam capazes de limpar as órbitas de lixo espacial, com a eliminação de satélites não operacionais, por exemplo. Para o futuro, também estão sendo realizados trabalhos para um sistema como GPS ou Galileu em órbita lunar, nos quais Ventura-Traveset está imerso; a possibilidade de realizar as primeiras missões tripuladas a Marte, de desviar asteróides próximos à Terra que coloquem em risco nosso planeta, ou a exploração de recursos lunares ou em asteróides. “Tudo isso configura um futuro tecnológico empolgante para nosso setor”, conclui o especialista.
Colaborador
Javier Ventura-Traveset Bosch é doutor engenheiro de Telecomunicações pela Universidade Politécnica de Turim (Itália), engenheiro superior de Telecomunicação pela Universidade Politécnica da Catalunha, mestrado em Ciência e Engenharia pela Universidade de Princeton (EUA) e formado pelo Programa de Diretoria Executiva de Empresas do IESE.
Há mais de 30 anos trabalha na Agência Espacial Europeia (ESSA), organização em que esteve envolvido em múltiplos programas espaciais: comunicações por satélite, observação da Terra, programa científico, microgravidade, programa de transferência de tecnologia e navegação por satélite. Especialista reconhecido internacionalmente no campo da navegação por satélite, foi engenheiro chefe, Mission Manager e System Manager em todas as fases do projeto de Navegação EGNOS, precursor do sistema europeu Galileu. Trabalhou nos serviços do Gabinete do diretor geral da ESSA, como diretor do Escritório de Comunicação e Educação da ESSA na Espanha. Atualmente, é secretário executivo do Comitê Científico assessor do programa Galileu da ESSA, chefe do Escritório Científico de Navegação por satélite da ESSA, coordena a implementação de um sistema de navegação para futuras missões lunares e é porta-voz da ESSA na Espanha.
É coeditor e coautor do livro EGNOS: the European Geostationary Navigation Overlay System, a cornestone of Galileu, e autor ou coautor de vários capítulos de livros, quatro patentes e mais de 200 artigos em palestras e revistas internacionais no campo da engenharia espacial. O Dr. Ventura-Traveset é acadêmico da Real Academia de Engenharia da Espanha.