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Túneis submersos: aplicações e manutenção

“As primeiras infraestruturas deste tipo foram realizadas no final do século XIX. Na atualidade, há cerca de 200 túneis submarinos construídos no mundo todo. Embora alguns deles sejam utilizados no fornecimento de água e energia, o objetivo da maioria deles é abrigar conexões para estradas ou ferrovias. Não obstante as adversidades em sua concepção, a fabricação e manutenção dessas construções não envolvem maiores complicações e, contudo, podem oferecer uma solução efetiva e sustentável para o transporte marítimo. “

Existem certos contextos geográficos, como os fiordes da Noruega ou a morfologia do Japão, que exigem soluções específicas para enfrentar as grandes massas de água que obstaculizam a comunicação. Os túneis submersos são um recurso muito conveniente nesses momentos: as técnicas de design estrutural avançaram significativamente nos últimos anos e, uma vez construídos, seu funcionamento e manutenção apenas diferem das infraestruturas terrestres. Para isso, e como assinala Vicent Esteban Chapapría, Doutor Engenheiro de Caminhos, Canais e Portos, é preciso analisar cada caso e cada situação própria. “Do ponto de vista estritamente técnico, as soluções estão ao alcance da engenharia mais avançada, ou poderiam estar, se há vontade para a realização dos projetos. A primeira questão que deve ser abordada é a oportunidade social e econômica, a viabilidade financeira e a conveniência de enfrentar as dificuldades que, sem dúvida, irão surgir,” adverte.

Mesmo com a existência de soluções prévias, que continuam totalmente vigentes e são utilizadas com sucesso, como as pontes, os túneis conferem segurança, velocidade e m

O grande projeto de interconexão, que se localizará nos fiordes da Noruega, contempla a utilização de túneis flutuantes colocados à meia altura.

enor impacto ambiental nessas distâncias. “Historicamente, os projetos de túneis submersos foram muito atraentes, embora às vezes deviam ser abandonados como consequência do esforço titânico que representava na época. Por exemplo, tal e como menciona The Telegraph em 1889, o projeto para a construção de uma rede de aço entre a Inglaterra e a França era informado, com a realização de uma maquete que foi apresentada na Exposição Mundial de Paris. Foi preciso aguardar até 1994 para a construção do Eurotúnel”, resenha.

Com o desenvolvimento atual da engenharia, limitaram-se de maneira extraordinária os riscos assumidos nas fases de projeto e construção relativamente à segurança, e a capacidade de estabelecer esse tipo de conexões está muito próxima de se tornar ilimitada. No entanto, a possibilidade não é empecilho para que nem sempre seja a solução mais acertada. “Podemos asseverar que qualquer projeto é possível, mas outra questão é que a magnitude e o alcance terminem sendo lucrativos; não só em termos econômicos, mas também em uma análise rigorosa de custo-benefício. Fica claro que devemos trabalhar muito no design e estudo prévio antes de ingressar na fase de execução e, ao fazer isto, conseguiremos verificar a viabilidade real e a rentabilidade a partir de todos os enfoques possíveis”, assevera.

Construção e impacto no ambiente

Segundo explica Esteban Chapapría, há três tipos de túneis submersos: com escavação no leito marinho, com dragagem (e colocação posterior de unidades pré-fabricadas) e os flutuantes submarinos. “Os primeiros vão criando um túnel a partir da terra, de maneira a escavar sempre por baixo do fundo marinho, com espessura que garanta que não haverá infiltrações nem problemas semelhantes e, portanto, sua estabilidade”, assegura o especialista. Nas últimas décadas, o potencial da dragagem foi virtualmente desenvolvido, isto é, a escavação direta. Existem dragas capazes de escavar em grandes profundidades, geralmente dezenas de metros, apesar de que também alcançam centenas, e com considerável redução da exposição dos trabalhadores a riscos durante a construção, já que são fabricados em terra firme e depois instalados no leito de dragagem.

Além disso, “recentemente começou a surgir o caso dos túneis flutuantes, colocados a meia-água e que também são infraestruturas pré-fabricadas vão sendo estendidas, sujeitas, por um lado, ao leito marinho e, pelo outro, aos elementos de flutuação que os deixam suspensos em certa profundidade, sempre por baixo do nível do mar. Este é o caso apresentado, por exemplo, no grande projeto dos fiordes da Noruega”, menciona Esteban, que nos explica o procedimento fundamental de garantia. “Durante a fase de planejamento e construção do túnel, tomam-se medidas completamente extraordinárias, porque são escavações mecânicas com grandes unidades que operam em materiais sob os leitos marinhos. Os sistemas de segurança e manutenção são instalados após a finalização do túnel. No caso dos flutuantes, não há escavação, com a simples utilização de elementos pré-fabricados posicionados em determinada profundidade ficando suspensos e fixados ao fundo. Essas técnicas se encontram mais relacionadas às estruturas offshore de exploração petrolífera”.

As distâncias que podem salvar este tipo de infraestruturas dependem de cada caso e é possível afirmar que já não existem regras fixas ou exatas. “Por exemplo, substituir a frustrada ponte Celtic Crossing, entre a Escócia e a Irlanda do Norte, por um túnel submarino apresentaria inúmeras dificuldades técnicas. É um trajeto de 45 quilômetros do Mar da Irlanda, onde alguns trechos estão a profundidades de até 300 metros. Mas não é só isso: no leito há bombas e minas afundadas da Segunda Guerra Mundial e a passagem marítima tem um intenso tráfego”, cita Esteban, quem explica que o principal não é a questão da longitude, mas da eficácia e da oportunidade geoestratégica. “O Eurotúnel, entre Calais e Folkstones, tem 50 quilômetros e a China conta com quatro pontes ferroviárias de alta velocidade que superam 100 quilômetros de comprimento”.

Outro aspecto essencial a considerar neste tipo de projetos é o impacto que terá no ambiente. Isto requer de uma análise detalhada no médio e longo prazos que contemple todas as variáveis: se for a melhor solução para a mobilidade, o transporte e a segurança, será fatível encontrar a maneira de realizá-lo avaliando também a viabilidade, a eficácia e as medidas de correção que é preciso empreender durante a construção. “Abrir vias de comunicação e fazê-lo de maneira sustentável sempre será um sucesso para a engenharia e a civilização. O impacto ambiental deve ser reduzido ao máximo ou ser compensado e, além disso, é preciso levar em conta que sua implementação pode mitigar outras vias em serviço. Portanto, o único que devemos fazer é que especialistas de todas as disciplinas estudem em detalhe as vantagens e desvantagens no caso de cada projeto antes de pôr as mãos na obra,” conclui o especialista.

“Abrir vias de comunicação e fazê-lo de maneira sustentável, reduzindo o impacto, sempre será um sucesso para a engenharia e a civilização”

Aplicações e usos potenciais

Em função da atividade podemos diferenciar três tipos de túneis submarinos: estrada, ferrovia e transporte de fluídos. No Mar do Norte há grande número de unidades destinadas à exploração petrolífera que partem das plataformas. Este é um conceito que também pode ser aplicado à região da Escócia e da Noruega. Além disso, existem outros casos de túneis que transportam gás, entre os quais se destaca um importante gasoduto submarino na zona de conexão entre a China e a Rússia, destinado ao abastecimento. No entanto, o uso mais comum continua sendo o transporte, tanto através de trem quanto rodoviário. Certamente, os mais abundantes no início eram os de estradas, com a posterior incorporação de exemplos de conexão ferroviária, em que podemos tomar como referência a conexão entre a França e a Grã-Bretanha ou as ilhas de Tóquio.

Os fatores que determinam a escolha do tipo de infraestrutura a realizar dependem da localização, orografia, profundidade e geologia. Quer dizer, da localização. “Mas a escolha entre alternativas é feita pela avaliação e julgando os benefícios e inconvenientes que oferece cada uma. Devemos estar cientes, sermos prudentes e profissionais honestos. Para isso, trabalha-se no estudo de todos os impactos, custos e efeitos. O fato de que cada vez mais a engenharia oferece maiores prestações, não deve nos levar a iniciar qualquer tipo de obra faraônica. Sem recusar nenhuma ideia, devemos propor e analisar profundamente a conveniência de implementá-la”, explica o especialista, que assegura estarmos diante de uma tecnologia de longo percurso e que o futuro abrirá inúmeras cotas de aplicação ainda inimagináveis. “Fala-se de projetos em Marte ou nos lugares mais distantes. Por exemplo, em outubro de 2019 se celebrou em Miami a American Society of Civil Engineers (ASCE), com a apresentação de um projeto para enfrentar a Mudança Climática denominado “Future World Vision”, que propunha a construção de cidades flutuantes no mar separadas da linha da costa e com muitos serviços e conexões submarinas,” menciona.

No entanto, destaca que essas alternativas de futuro não podem adiar todos os desafios que enfrentamos neste momento. “Não devemos esquecer os problemas do dia a dia: o tráfego e a mobilidade nas cidades, o crescimento urbano, a poluição, a transição energética e tantos outros problemas cotidianos para os quais podemos oferecer uma solução prioritária ao proporcionar trabalho, talento e criatividade”.

No contexto atual, o especialista aposta pelos túneis flutuantes, uma das tecnologias com maiores possibilidades. “Acredito que são tecnologicamente muito avançados e uma solução que, além disso, tem menos afecção, porque seria possível considerar até certo caráter desmontável, diferentemente das unidades fixas, e isso pode representar maior sustentabilidade. Contamos com toda a tecnologia de construção e de operação, possuímos muita informação sobre como respondem, mesmo em condições marítimas muito adversas (pelos casos que existem no Mar de Norte) e como todas elas estão monitoradas e há grande número de pessoas trabalhando, existe muita informação sobre seu comportamento”.

Transferir a experiência existente sobre o sistema de plataformas offshore para soluções de transporte de pessoas ou mercadorias é uma das escolhas mais interessantes neste momento, e os sistemas de manutenção e monitoramento que requerem são praticamente comuns. “O trabalho de manutenção consiste na reposição de elementos sujeitos à ação do mar, ver se respondem e, caso contrário, proceder com sua substituição. São desafios que, em função da experiência em todas as plataformas petrolíferas em exploração, estão sendo trasladados a sistemas de conexão terrestres ou submarinos”. Em resumo, as infraestruturas desmontáveis representam menos afecções ambientais, especialmente à paisagem, e menores efeitos em áreas costeiras que conectem. Podem ser necessárias, e até imprescindíveis, por vários motivos: tráfego marítimo, correntes oceânicas, pesca e diversas circunstâncias relacionadas à preservação dos leitos ou do meio marinho.

Manutenção preventiva

A manutenção de um túnel submerso emprega técnicas e tecnologias similares às utilizadas em um terrestre, mesmo enfrentando riscos diferentes, como a medição de correntes, as variáveis oceânicas ou o controle dos leitos marinhos. Segundo explica o especialista neste tipo de infraestruturas, o principal risco enfrentado é a enchente por filtrações ou possíveis rupturas, e uma das variáveis mais reforçadas é o acompanhamento de possíveis terremotos que possam causar problemas maiores no caso de instalações subaquáticas. No entanto, o equipamento e os sistemas de monitoramento e acompanhamento são similares, apesar de que o tratamento dos dados, a tecnologia de aquisição e o processamento estão muito mais desenvolvidos e são mais aplicados no caso dos túneis submarinos.

“Por exemplo, no acompanhamento sísmico é medido fundamentalmente quando acontece e quais acelerações produz. A vigilância neste aspecto é extrema e toma especialmente como base equipamentos, acelerômetros, que medem a ocorrência de uma mudança brusca na aceleração da gravidade. Uma vibração detonante pode provocar uma aceleração na estrutura e danificá-la. Por um lado, procura-se que o design seja antissísmico e, pelo outro, comprovar os efeitos que um possível sismo produziria para que não sejam destrutivos”, assegura.

Mantendo riscos muito baixos em todo este tipo de obras, a instrumentação está focada principalmente em garantir a estabilidade das estruturas.

Além disso, existem sensores meteorológicos que medem temperaturas e umidade. Todos esses dispositivos reúnem infinidade de dados além do monitoramento em tempo real, tanto de acelerações quanto de possíveis movimentos ou deslocamentos induzidos por eles. Essa tecnologia “está sendo muito utilizada na Noruega, Chile ou Tóquio, onde há muito risco de terremotos e a vigilância se torna fundamental”, fala.

À margem dos riscos naturais, são considerados aqueles derivados de acidentes, incêndios -principalmente- ou pequenas incidências, como a falta de ventilação, uma constante em qualquer túnel. Uma vez desencadeada a notificação, a resposta a esses alertas acontece através de protocolos que dependem do sistema de dados. “Na atualidade, isto melhorou muito graças ao monitoramento vinculado à tecnologia de comunicação e a resposta costuma ser em questão de minutos”, explica Esteban Chapapría, quem ainda menciona que, em caso de evacuação necessária, “muitos túneis submersos têm vários dutos paralelos intercomunicados a cada certa distância, o que permite criar rotas de fuga.”

Além de todos os mecanismos automáticos, a última palavra ainda está nas mãos das pessoas. “Mesmo com a existência de procedimentos automatizados baseados em sistemas inteligentes, os engenheiros são os encarregados de analisar os dados e de conformar os protocolos. Isto é, hoje em dia o design dos protocolos e a decisão final continua sendo humana. Sempre há equipes de acompanhamento em tempo real que agem nos túneis, como em qualquer outra infraestrutura de operação com risco, como pode ser uma usina nuclear”.

Os trabalhos de manutenção e prevenção foram aperfeiçoados de maneira notável nas últimas décadas, e as novas tecnologias iluminarão uma melhoria superior quando todos os mecanismos de garantia forem implementados de maneira generalizada. “Antigamente, quando havia mais incerteza, a solução sempre era fazer infraestruturas mais robustas, mais resistentes. Contudo, agora, mantendo riscos muito baixos neste tipo de obras, elas recebem instrumentação para comprovar as necessidades de manutenção e garantir, principalmente, a estabilidade da estrutura. Nos túneis pré-fabricados há um acompanhamento das juntas nos diferentes elementos e uma necessidade diferente. Mas, em qualquer caso, persegue-se que nunca haja perda líquida da função possível da qualidade de obra, mas a substituição de elementos”, conclui.

Colaborou nesta matéria Vicent Esteban Chapapría. Doutor Engenheiro de Caminhos (Universidade Politécnica de Valência – UPV, 1978 e 1987), trabalhou como consultor em várias empresas e Engenheiro Diretor de um porto até 1989, quando é nomeado Catedrático de Portos e Costas da UPV, após atuar como Professor Titular de Portos na UPM desde 1987. Foi diretor da Escola de Engenheiros de Caminhos e Vice-Reitor de Estudos e Convergência Europeia da UPV.

Suas linhas de investigação se centraram na engenharia marítima, portuária e costeira, as relações porto-cidade, o turismo náutico e a sustentabilidade da costa. Participou como pesquisador em 19 projetos de chamadas públicas, em 55 contratos de pesquisa e colaborou em cerca de 40 convênios.

Publicou nove livros, mais de 65 palestras em congressos e mais de 120 artigos em revistas nacionais e internacionais sobre engenharia marítima e turismo náutico.

Foi membro do Board da Central Dredging Association, do Comitê Científico de RETE (Associação Internacional para o Estudo da Relação Porto-Cidade), de vários Conselhos Editoriais de revistas, comitês científicos e da Revista de Obras Públicas. Foi presidente da Associação de Engenheiros de Caminhos entre 2016 e 2020, tendo integrado parte da assembleia de governo desde 1999.

 

 

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