Nos últimos anos, as empresas enfrentaram grandes disrupções alavancadas pela tecnologia e a digitalização que, junto ao impacto ainda maior de eventos extremos, provocaram uma forte transformação em suas estruturas e modelos de negócio. Entre estes últimos, a pandemia trouxe um grande desafio. Em um meio incerto, as empresas estão abraçando a sustentabilidade como o veículo para atingir um mundo mais justo, equilibrado e sustentável como resposta às demandas de seus grupos de interesse.
O compromisso do mundo empresarial com a sustentabilidade é real. Este foi um dos assuntos abordados na mesa-redonda moderada por Elena Sanz, diretora-geral da Área Corporativa de Pessoas e Organização da MAPFRE, dentro do programa das XXVIII Jornadas Internacionais da MAPFRE Global Risks. O debate contou com a participação de Lourdes Neves Ripoll de Oleza, vice-presidente do Conselho de Administração de Responsabilidade Corporativa do Meliá Hotels International, e Carlos Ruiz Alonso, diretor de Sustentabilidade e Riscos da Enagás. Todos confirmaram a aposta de suas empresas pela sustentabilidade em seus respectivos setores de atividade: seguros, turismo e energia.
Interesse crescente
A integração dos princípios ASG (Ambientais, Sociais e de bom Governo) nos modelos de negócio tem aumentado. Na opinião de Elena Sanz, “a pandemia que vivemos mudou muito pela qual a sociedade percebe as necessidades. Instalou-se a crença de que temos que perseguir uma sociedade mais justa, equilibrada e sustentável”. Daí o interesse crescente pela sustentabilidade, tanto na comunidade financeira quanto na empresarial, na sociedade e entre os reguladores.
Como dados reveladores, na Espanha, segundo a SPAINSIF, os investimentos sustentáveis superaram em 2021 os investimentos tradicionais (com 54% comparado a 46%). Os princípios de investimento responsável das Nações Unidas já tinham 5 mil signatários em dezembro de 2021 e um quarto das empresas seguradoras já aplicam os princípios para a sustentabilidade nos seguros. Além disso, especificou Elena, “os assessores de voto que nos acompanham em todas as juntas impulsionam cada vez mais que os critérios ASG estejam na remuneração de nossos diretores”.
“O seguro é um setor que sempre foi muito comprometido, leva a sustentabilidade em suas veias e apoia o desenvolvimento econômico e social em todos os países”
Pura estratégia
A aposta por este conceito, não obstante, não é nada nova. Desde 2008, o Grupo Meliá integra a sustentabilidade em seu plano estratégico, um elemento que, com o passar do tempo, ganhou peso dentro da companhia. O objetivo, segundo Lourdes Neves Ripoll, “é que a sustentabilidade seja parte da cada uma das áreas organizativas da companhia e que tenha voz em todas as unidades de negócio, onde estivermos. É uma viagem longa, de longo percurso, mas apaixonante”.
Para Carlos Ruiz, o compromisso da Enagás com a sustentabilidade também não é recente. Em 2008, eles tomaram a decisão de fazer um gerenciamento estruturado e proativo dos âmbitos de sustentabilidade. Hoje, ela é um pilar básico em cada plano estratégico que ajuda a criar valor para a companhia. Além disso, “o mais importante é que conseguimos que todos os empregados em seu dia a dia possam considerar outros aspectos, não só os financeiros, que influem na conta de resultados, mas também os fatores sociais, ecológicos e de boa governança corporativa, que serão muito relevantes”.
A aposta da MAPFRE pela sustentabilidade também vem de longe e o aspecto social é prioritário. Elena Sanz destacou o esforço realizado pelas seguradoras para colocar no mercado produtos sustentáveis, pela transição energética e pelo investimento sujeito aos critérios ASG. E destaca: “O seguro é um setor que sempre foi muito comprometido, leva a sustentabilidade em suas veias e apoia o desenvolvimento econômico e social em todos os países”.
Outros desafios são a promoção da educação financeira e o maior conhecimento dos riscos, sobretudo das ameaças catastróficas
Pôr o foco
Tanto a estrutura societária quanto o setor de atividade podem marcar o mapa da sustentabilidade em cada empresa. A Enagás, como companhia que cota no IBEX 35, depende das opiniões e expectativas dos investidores. Além disso, como especializada em energia, põe o foco na descarbonização e na transição energética, e desenvolve importantes projetos no âmbito do bioetanol e do hidrogênio verde, sem deixar de lado os aspectos sociais e de boa governança.
Como empresa familiar, o Grupo Meliá trata de equilibrar os três pilares da sustentabilidade: princípios ambientais, sociais e de governança. Um de seus grandes desafios é converter suas instalações hoteleiras em mais sustentáveis. Por isso levam longo tempo trabalhando na eficiência energética e hídrica de seus estabelecimentos, e no respeito à biodiversidade.
Por sua vez, Elena Sanz destacou a necessidade de trabalhar para que os transportes coletivos mais vulneráveis tenham acesso ao seguro, uma mostra a mais do trabalho social do setor. Outros desafios são a promoção da educação financeira e o maior conhecimento dos riscos, sobretudo das ameaças catastróficas, bem como o acompanhamento das empresas na transição para modelos mais sustentáveis.
Complexidade da regulamentação
A exigente regulamentação em torno da sustentabilidade foi outro tema que centrou o debate. Todos destacaram a complexidade de incorporar um regulamento cada vez mais exaustivo e em diferentes níveis: europeu, nacional e local. Fizeram questão da necessidade de um meio regulamentar global.
Para Elena Sanz, não cabe dúvida de que a transparência é importantíssima. No entanto, aponta: “Hoje, a regulamentação obriga a vastas quantidades de informações difíceis de assimilar por parte dos clientes, por parte da sociedade, por parte inclusive dos investidores. E isto se converte, às vezes, em um ciclo muito complexo”. Lourdes Neves Ripoll defendeu “um conhecimento mais profundo da regulamentação para implementá-la de forma organizada e planejada, não só no modelo de negócio mas também para poder ser transladada a todas as unidades do negócio”.
Mas, longe de um processo de concentração ou de redução de normas, no panorama surgem novas regulamentações nesta matéria e, segundo Carlos Ruiz, “temos que estar preparados para analisá-las em detalhe, digeri-las e traduzi-las. Esses são os compromissos de cada uma de nossas unidades de negócio desde nossos âmbitos de sustentabilidade”.
O que temos que fazer é ver como podemos avançar com a ajuda de todos para um objetivo comum
Provedores, grandes aliados
Um exemplo do que está por chegar é a futura diretriz sobre as devidas diligências das empresas em matéria de sustentabilidade, que trará um conceito de corrente de valor amplo. Neste âmbito, os palestrantes expressaram o desejo de que os fornecedores se convertam em verdadeiros sócios e aliados, um caminho que já estão seguindo empresas como a Enagás. Carlos Ruiz defendeu o assunto por conseguir um maior engajamento: “Fala-se do compromisso com o empregado e o seguinte passo é o compromisso com o provedor. Devemos também ajudá-los, em um ciclo de melhoria contínua. As crises que temos enfrentado — e ainda continuam — demonstraram que precisamos apostar em correntes de valor mais resilientes”.
O Grupo Meliá também avança com passo firme por esta via para conseguir verdadeiros colegas de viagem na cadeia de suprimentos. “Com a irrupção da Covid-19, aprendemos que contando com aliados os problemas são resolvidos com maior compromisso. O que temos que fazer é ver como podemos avançar com a ajuda de todos para um objetivo comum”, manifestou Lourdes Neves Ripoll, e fez um chamado a ajudar aos fornecedores quanto à inovação. “Creio firmemente que a oportunidade está em unir partners e trabalhar juntos”.
Definitivamente, para Elena Sanz, sua incorporação na corrente de valor é muito relevante, “porque ao final, em muitos casos, é a primeira impressão que nossos clientes têm de nós. Temos que ajudar nesta mudança, pois se não o fizermos de uma maneira conjunta será bem mais complicado”.
“Juntos temos que tentar manter este planeta para que as novas gerações possam desfrutar dele”
Futuro da sustentabilidade
Quanto a sua evolução, ficou claro que a sustentabilidade vai seguir ganhando terreno no futuro, principalmente pelo impacto das situações climáticas adversas e da incerteza econômica.
Para Lourdes Neves Ripoll, ainda que não esteja 100% declarado, os clientes começam a eleger empresas sustentáveis e responsáveis. Mas há ainda um percurso: dar rigor aos dados. Explorá-los desde uma visão não somente não financeira, mas também de contribuição de valor ao negócio e à sociedade. Hoje a tecnologia não permite isso de forma simples. Há que desenvolver este aspecto, e esse é meu objetivo”.
Os aspectos ecológicos e o impacto das situações climáticas adversas são, na opinião de Carlos Ruiz, os riscos mais relevantes em todos os horizontes temporais administrados. “Isto, unido ao incremento das crises e o risco da coesão social, faz com que a sustentabilidade seja muito relevante, e bem mais no futuro”. Também em sua opinião, “serão as expectativas de todos os grupos de interesse que marcarão o desenvolvimento dos mercados. Às vezes serão os investidores, outras, os reguladores, os fornecedores e as cadeias de suprimento. É preciso identificar muito bem em cada setor quem vai marcar o passo e segui-lo”. Por último, o representante da Enagás lançou uma ideia otimista. “Estamos provavelmente em uma situação muito complexa, de incerteza, mas também estamos no momento de maior conscientização social de que isto só podemos resolver com um esforço global, isto é, com o apoio de governos, de investidores, de empregados, de cidadãos. Juntos temos que tentar manter este planeta para que as novas gerações possam desfrutar dele, pelo menos, nas mesmas condições em que o estamos desfrutando”, concluiu.
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