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Soluções para a redução do lixo espacial

A colaboração público-privada no domínio espacial inaugurou uma nova era no setor, muito mais acessível tanto para instituições públicas como para empresas e indivíduos. Essa democratização do espaço causou um aumento exponencial da atividade espacial e, consequentemente, dos resíduos orbitais, atualmente estimados em cerca de 9.000 toneladas. Neste artigo falamos sobre as soluções propostas para solucionar o acúmulo do lixo espacial e as diferentes técnicas que as fundamentam. Segundo especialistas, é possível, e necessário, reduzir o lixo sem afetar a corrida espacial.

É considerado lixo espacial qualquer objeto de origem artificial que orbite a Terra sem nenhuma função útil. As cerca de 9.000 toneladas que circundam nosso planeta são compostas, principalmente, por fragmentos de satélites e lançadores, partes de instrumentos ou até mesmo poeira de combustível de foguetes. “Se contarmos os objetos maiores, por origem, um terço viria dos foguetes e o restante de satélites”, explica Javier Cubas, professor do departamento de Sistemas Aeroespaciais, Transporte Aéreo e Aeroportos da Universidade Politécnica de Madri.

“Felizmente, os países estão cientes de que a órbita geoestacionária (GEO) é insubstituível e estão empenhados em mantê-la limpa. Quase todos os satélites que chegam ao fim da vida útil nesta órbita são deslocados para outras áreas onde não perturbam e não geram mais detritos espaciais.”

Contudo, podemos apenas deduzir as dimensões desses resíduos, embora sejam preocupantes pelo seu impacto na atividade aeronáutica. “Para que o lixo espacial possa ser visto com telescópio deve medir cerca de 10 centímetros”, explica ele. Para os objetos maiores há programas capazes de identificá-los e monitorar suas trajetórias. Atualmente, cerca de 22.000 objetos são monitorados continuamente. Calcula-se ainda que orbitem um milhão de peças entre um e dez centímetros, e mais de cem milhões de partículas entre um milímetro e um centímetro.

Quando o lixo começou a se acumular no espaço?

Como o professor Cubas explica, os resíduos espaciais existem desde o lançamento do primeiro satélite e, a partir desse momento, não pararam de aumentar. “O Sputnik 1 e o foguete que o colocou em órbita em 1957 poderiam ser considerados os primeiros elementos do lixo espacial a partir do momento em que pararam de funcionar, embora não fossem um problema real porque sua órbita era muito baixa e reentraram na atmosfera poucas semanas após o lançamento”, explica. Quanto mais baixa a órbita, mais atrito os objetos têm com as camadas superiores da atmosfera e mais cedo eles começam o processo de frenagem e a cair na superfície.

Por isso, a maior concentração de lixo espacial encontra-se em torno dos 800 a 1.000 km de altitude. Abaixo disso as órbitas vão gradualmente se limpando sozinhas. Essa distribuição tem uma exceção: a órbita geoestacionária, ou GEO, a 35.786 km de altitude, única distância em que um satélite gira em torno da Terra em exatamente um dia, e da qual dependem os satélites de televisão e comunicação. “Felizmente, os países estão cientes de que a órbita GEO é insubstituível e estão empenhados em mantê-la limpa. Quase todos os satélites que chegam ao fim da vida útil nesta órbita são deslocados para outras áreas onde não perturbam e não geram mais detritos espaciais”, acrescenta o especialista.

“Na atualidade, dependendo da órbita, até 10% dos custos de uma missão referem-se a tarefas de redução de riscos de impacto com o lixo espacial.”

Algumas das medidas propostas para frear o crescimento do lixo espacial são bastante simples: planejar as missões para que não gerem resíduos desnecessários. “Antigamente, por exemplo, quando se tirava a tampa protetora de uma câmera ou instrumento, o objeto ficava flutuando no espaço e gerava mais um pedaço de lixo espacial. Evitar isso é tão simples como fixar a tampa ao satélite ou usar uma tampa articulada. Há centenas de exemplos similares, nos quais uma pequena mudança de planejamento pode evitar lixo desnecessário”, opina Cubas, afirmando que “atualmente, é pouco provável que se permitam missões pouco responsáveis”.

Gestão e solução do problema

O progressivo aumento dos detritos espaciais tem feito com que o setor se dedique a solucionar a situação e evitar que atividades como a previsão meteorológica ou o rastreamento climático sejam prejudicados. De fato, alguns setores já afetados pelo problema mudaram a forma de encarar qualquer projeto de satélite. “Atualmente, dependendo da órbita, até 10% dos custos de uma missão referem-se a tarefas de redução de riscos de impacto com o lixo espacial. Se o lixo continuar crescendo, os custos vão aumentar”, garante.

Como nos explica o professor da Universidade Politécnica de Madri, existem algumas iniciativas internacionais bem-sucedidas no controle do lixo espacial. A União Internacional de Telecomunicações (UIT) é encarregada da órbita GEO, por exemplo, que depende das Nações Unidas e pertencem a todos os países do mundo, exceto Palau. Esta organização concede as frequências de comunicação para os satélites e estabelece condições muito específicas sobre como os satélites geoestacionários devem ser removidos antes de aprovar a concessão. Outro exemplo de colaboração internacional é o Comitê de Coordenação de Detritos Espaciais Interagências (IADC), um comitê formado em 1993 pelas principais agências espaciais, incluindo a NASA, a ESA e agências russas, chinesas e japonesas, que busca regulamentos comuns para reduzir o lixo espacial. “Existem também normas ISO internacionais para o planejamento de missões espaciais que não contribuam para a geração de lixo espacial. Recentemente, em 2018, o Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (COPUOS), formado por 92 países membros da ONU, aprovou uma diretriz para o desenvolvimento sustentável do espaço que, entre outras medidas, inclui ações para controlar o lixo espacial. Porém, como não existe uma única autoridade competente sobre o espaço, são os países que precisam aderir voluntariamente aos acordos e estabelecer legislação a respeito”, explica Cubas.

“A comunidade científica exige que todos os projetos sejam elaborados desde o primeiro momento para serem realocados a um local seguro no final da vida útil.”

As medidas propostas para conter o crescimento do lixo têm como foco evitar a liberação de resíduos desnecessários, coibir a destruição de satélites e as manobras que apresentem risco de colisão. Além disso, a comunidade científica exige que todos os projetos sejam elaborados desde o primeiro momento para serem realocados a um local seguro no final de sua vida útil. “As recomendações atuais sugerem que se deve agir sobre qualquer satélite que esteja em uma órbita cuja duração venha a ser de mais de 25 anos. Isso implica carregar um pouco mais de combustível antes de lançá-los ou parar de usá-los um pouco antes que fiquem totalmente sem combustível”, revela o especialista, o que atualmente não é uma regra obrigatória.

Apesar das mudanças estruturais exigidas, reduzir o lixo é possível, e necessário, sem afetar a corrida espacial. “É mais rentável incluir planos para eliminar detritos do que lidar com um espaço cheio de lixo”, afirma. “Como já explicamos, não é preciso desorbitar completamente o lixo: bastaria carregar combustível suficiente para baixar a altitude dos satélites para 500 km e o atrito atmosférico faria o resto em alguns anos”. Nos próximos anos, o principal desafio no controle do lixo espacial serão as megaconstelações de satélites. “Mesmo se todos eles fossem projetados para colidir com a atmosfera no final da vida útil, tantos satélites no espaço multiplicariam enormemente os riscos de colisão e os custos de gestão. Estima-se que com uma constelação tão grande quanto a proposta pela Starlink, haveria milhões de alertas de colisão e milhares de manobras de evasão teriam que ser realizadas anualmente. Por isso, seria conveniente limitar este tipo de constelações a órbitas baixas, onde as consequências das colisões são muito menos duradouras. Pelo menos, enquanto as técnicas de desorbitação e limpeza de lixo espacial são aprimoradas”, finaliza Javier Cubas.

Contribuiu para este artigo…

Javier Cubas é doutor da Universidade Politécnica de Madri, no departamento de Sistemas Aeroespaciais, Transporte Aéreo e Aeroportos. É o coordenador acadêmico do Mestrado em Sistemas Espaciais da UPM, sendo responsável pelas disciplinas “Ambiente Espacial e Análise de Missão” e “Dinâmica Orbital e Controle de Atitude”. Foi o responsável técnico do Subsistema de Controle de Atitude do recentemente lançado UPMSat-2 e projetista da lei de controle magnético do satélite. Também participou da Engenharia de Sistemas e do Subsistema de Potência do referido satélite.

O professor Cubas tem várias publicações no campo do controle de atitude magnética de pequenos satélites e realizou estágios na Universidade de Ryerson (Toronto, Canadá) e na Universidade de Yale (New Haven, EUA). Finalmente, cabe destacar que Javier Cubas participa de vários projetos regionais, nacionais e europeus relacionados a missões espaciais e integrou o projeto NANOSTAR, uma rede colaborativa para o desenvolvimento de nanossatélites educativos que integra múltiplas universidades do sul da Europa.

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