Em algum momento do processo de distribuição 90% do comércio mundial realiza-se via marítima. Este dado, corroborado pela Organização Marítima Internacional (OMI), destaca a importância da segurança náutica e portuária em que, especialmente nos últimos tempos, as novas tecnologias estão tendo um impacto notável, tanto no âmbito de prevenção como de reação diante de possíveis incidentes que atentem contra instalações, mercadorias ou pessoal.
O comércio marítimo está prosperando graças à reativação econômica mundial. Segundo o último Relatório sobre o Transporte Marítimo da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), em 2017 – último exercício do qual se têm dados definitivos – a taxa de crescimento foi de 4%, a mais alta em cinco anos. E sempre que se mantenham as tendências favoráveis da economia, o organismo prognostica uma taxa composta de crescimento anual de 3,8% entre 2018 e 2023.
A atividade portuária mundial e as operações de manipulação da carga também aumentaram em 2017. Calcula-se que os 20 principais portos do mundo manipularam 9.300 milhões de toneladas, em comparação com os 8.900 milhões de 2016, o que praticamente equivale ao volume do comércio marítimo mundial.
Este incremento comercial e as positivas perspectivas de futuro requerem por parte de armadores, operadores de transporte e autoridades portuárias uma constante atenção sobre um dos aspectos críticos no setor: a segurança, tanto em alto-mar como nos portos. Estes últimos são em si mesmos instalações complexas de administrar, uma vez que envolvem muitos intervenientes e atividades variadas no âmbito industrial e logístico, com grandes infraestruturas operacionais, de transporte e de armazenamento, e que manipulam todos os tipos de mercadoria, incluídas as de caráter perigoso. Contam além disso com o inconveniente do impacto de fatores climatológicos em seu funcionamento, o requisito de ter interligados todos os dispositivos ou sistemas, bem como a necessidade de proteger-se de tráfegos ilícitos de mercadorias e de pessoas pela facilidade de movimento que permite o espaço marítimo.
Principais riscos
Neste contexto, a ciberdelinquência apresenta-se como um dos principais riscos que se enfrentam na gestão marítima e portuária, com ameaças como a interferência com os mecanismos de identificação automática e de informação e visualização de cartas eletrônicas, a perturbação das redes GPS e a manipulação dos sistemas de carga e outros navais e portuários mediante a introdução de programas maliciosos.
Como reconhecem Catalina Grimalt e Bernat Baró, subdiretora geral de Organização e Recursos Internos e diretor de Segurança da Autoridade Portuária de Barcelona, respectivamente, os acontecimentos cibernéticos são um grande problema a nível quantitativo, já que diariamente as autoridades portuárias de todo o mundo veem suas redes submetidas a ataques e intrusões. “Isso nos obriga a implementar sistemas de segurança cada vez mais robustos e a conscientizar, através da formação de nossos usuários, das medidas preventivas necessárias que se devem ter em conta, com o objetivo de minimizar as vulnerabilidades”, atestam.
A segurança industrial, como os acidentes nas manobras marítimas portuárias, também é um risco a ter em conta, pois podem provocar umas perdas importantes. Da mesma forma que os incidentes de caráter criminal ou de tipo terrorista. Pouco habituais, como apreciam os especialistas, mas que obrigam a manter uma constante avaliação dos riscos e a dispor de planos de mitigação.
Diante de toda esta tipologia de ameaças, Grimalt e Baró reconhecem que “é imprescindível encontrar um equilíbrio entre as medidas de segurança e a manutenção operacional e comercial de um porto”, já que estes acontecimentos podem derivar em danos notáveis sobre bens e infraestruturas e na paralisação parcial ou total de algumas atividades portuárias.
Medidas de prevenção e reação
É necessário, portanto, prever possíveis sinistros ou ações delituosas e combinar a execução de recursos humanos e ferramentas tecnológicas para desenvolver planos de segurança eficazes. Assim, sistemas de detecção, sondas e firewall no caso de ataques informáticos; tecnologia preditiva das condições climatológicas de vento e maré, que mitigam os acidentes em manobras marítimas; e mecanismos digitais que evitam as intrusões não controladas, com um papel determinante da gestão remota das instalações, são vitais para uma segurança integral do ambiente.
Junto com as tecnologias preventivas, existem outras de natureza reativa que se ativam no momento em que operadores ou sistemas técnicos detectam que um incidente está ocorrendo. O GIS é uma dessas soluções específicas. Trata-se de um sistema de informação geográfica composto por um conjunto de ferramentas que integra e relaciona diversos componentes que permitem a organização, armazenamento, manipulação, análise e modelagem de grandes quantidades de dados procedentes do ambiente, de mapas de lugar até informação dos recursos existentes na área ou as condições de vento que possam afetar o desenvolvimento do acontecimento.
“Do ponto de vista tecnológico, essas ferramentas devem facilitar tanto a descoberta de alarmes como de incidências, além de integráveis nas plataformas portuárias para que cada uma não exija conhecimentos específicos”, destacam Grimalt e Baró, de maneira que os trabalhadores especialistas em determinadas atividades portuárias possam, sem serem especialistas tecnológicos, operar da maneira mais efetiva com elas.
Novas ferramentas
O big data está sendo de suma importância na segurança portuária e marítima, dado o grande volume de dados que se manejam. Esta tecnologia permite uma análise exaustiva da informação, determinando as causas de falhas, problemas e defeitos quase em tempo real, recalculando riscos de forma ágil e detectando comportamentos criminais ou ameaças latentes antes de que ocorram.
À parte das indubitáveis vantagens operacionais do uso da Internet das Coisas (determinar o melhor caminho e calcular imediatamente o momento da chegada dos navios, melhorar a conectividade navios-terra, etc.), este conjunto de técnicas também se utiliza para elaborar sistemas de ajuda à navegação em condições difíceis, como pode ser com mau tempo ou em vias praticáveis congestionadas.
No caso de operações marítimas, também se utilizam processos tecnológicos para salvaguardar a segurança de navios e mercadorias, como a integração de sinais radar, AIS (sistema de identificação automático, com dados relativos ao barco em que está instalado) e sensores meteorológicos. Além disso, muitos aplicativos já utilizam blockchain não somente para realizar um acompanhamento da carga e proporcionar visibilidade a todos os elos da cadeia de abastecimento, mas também para registrar informação sobre os navios, em particular sobre os riscos e a exposição aos riscos no âmbito mundial.
Os armadores começaram, também, a integrar os novos métodos de segurança nos sistemas e programas existentes para evitar os ataques cibernéticos com uma mínima intervenção humana, mediante alertas em tempo real e dispositivos para bloquear os arquivos maliciosos, com o objetivo de evitar os acessos não autorizados a sistemas e dados críticos.
Para Grimalt e Baró um dos grandes desafios de todas estas soluções tecnológicas, do ponto de vista operacional, reside na sua manutenção, e mais ainda se tivermos em conta que os sistemas e sensores que se usam em segurança podem estar muito tempo inutilizados e serem necessários apenas em caso de incidente. “É primordial que estes elementos tecnológicos tenham um monitoramento e uma manutenção o mais automatizado possível, de forma que permita que estejam em bom estado quando acontecer a emergência”, comentam.
O plano estratégico da Organização Marítima Internacional reconhece a necessidade de integrar as tecnologias novas e emergentes no quadro regulamentar do transporte marítimo.
Projetos globais
Nesta linha, os especialistas da Autoridade Portuária de Barcelona destacam que nos últimos anos houve um esforço de investimento econômico significativo para atualizar a segurança tanto dos barcos como dos portos, especialmente após o plano estratégico para 2018-2023 da OMI, organismo que administra a segurança marítima e portuária. Adotado em dezembro de 2017, este plano reconhece a necessidade de integrar as tecnologias novas e emergentes no quadro regulamentar do transporte marítimo.
Além disso, indicam que existem âmbitos concretos nos que a cooperação internacional está evoluindo notavelmente, graças a joint ventures de projetos de diferentes atores que têm objetivos compartilhados, a soma de interesses entre portos ou por iniciativa de instituições nacionais e comunitárias:
– Segurança Cibernética. Existem várias iniciativas internacionais de compartilhamento de informações entre portos para serem mais pró-ativos contra ataques, como a iniciativa europeia Picasso.
– Controle de embarque de veículos nos ferrys. Neste “âmbito difícil de controlar” há vários projetos que pretendem melhorar o controle destas operações, como a implantação de um chip sniffer na cavidade olfativa do cão.
– Incidentes criminais. Como o projeto comunitário Cosmic, que inclui sistemas de detecção de explosivos e outros componentes através da distorção dos raios cósmicos com as partículas de múons.
Grimalt e Baró destacam, no entanto, que esta cooperação é fundamental, já que “a tecnologia é muito cara até que não tenha um rendimento por economia de escala e, portanto, é muito custosa em uma fase embrionária. Encontrar quem queira fazer um desenvolvimento de tecnologia experimental não é fácil, já que não deixa de ser uma aposta arriscada”.
Desenvolvimento normativo
Em qualquer caso, os responsáveis pela Autoridade Portuária de Barcelona vislumbram que o futuro passará por adiantar-se a essas ameaças, já que “a implementação de medidas de segurança costuma estar ligada às obrigações legais que, ao mesmo tempo, são a resposta a situações de crise uma vez ocorridos os incidentes ou acidentes de segurança”. Daí que apelem a desenvolver regulamentos através dos quais se possam implementar novas medidas de segurança com a correspondente aplicação tecnológica de forma pró-ativa. “Conseguir a implementação destas medidas sem uma afetação operacional que dificulte a atividade comercial é, sem dúvida, um dos principais desafios do futuro”, indicam.
Uns quadros normativos claros que serão imprescindíveis para a implementação de algumas dessas inovações, já que existem casos como os sistemas de detecção de explosivos que, mesmo não sendo invasivos como os raios X, requerem uma regulação específica que permita seu uso.
As perspectivas, no entanto, são positivas. Desde UNCTAD reconhecem que, para facilitar a transição tecnológica, os governos e o setor marítimo vêm adotando nos últimos anos medidas para melhorar a cultura de segurança e gestão de riscos e para garantir o cumprimento de um enquadramento jurídico complexo e em evolução.
Participou na elaboração deste artigo…
Catalina Grimalt, graduada em Informática e Mestrado em Logística pela Universidade Politécnica da Catalunha, começou sua carreira como consultora na KPMG, para posteriormente unir-se a EY.
Em 1999 ingressou na Autoridade Portuária de Barcelona, onde desenvolveu o resto de seu trabalho profissional como diretora técnica, responsável de Informática, responsável de Desenvolvimento Informático e Qualidade de serviços, diretora de Sistemas de Informação e subdiretora geral de Organização e Recursos Internos, cargo que ocupa atualmente.
Bernat Baró é graduado em Psicologia e Criminologia pela Universidade de Barcelona.
Fez parte dos Mossos d’Esquadra durante 26 anos, nos quais terminou sendo nomeado comissário, máxima categoria policial desse corpo, apesar de que não chegou a exercer como tal por sua incorporação à Autoridade Portuária de Barcelona como diretor de Segurança em 2010, posto que ocupa desde então.