Neste artigo, Laura González, subdiretora da área de Assessoria Jurídica da MAPFRE Global Risks, faz uma análise sobre as sanções internacionais e sua incidência no âmbito dos seguros/resseguros.
Causas e efeitos das sanções internacionais
Quando falamos em sanções internacionais, quase que imediatamente surgem em nossa mente imagens de países como Cuba, Irã ou Venezuela e, ao mesmo tempo, aquelas sanções impostas pela União Europeia ou os EUA, que com alguma frequência são comentadas na mídia internacional. Sem dúvida, estamos diante de uma interessante problemática que inclui um tecido de relações políticas, comerciais e econômicas que afetam governos, grupos sociais e políticos, instituições, pessoas ou empresas de um país.
As sanções vieram substituir a forma em que eram tradicionalmente resolvidos os conflitos mediante ações bélicas. A primeira instituição a adotá-las foi o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Assim, elas são de cumprimento obrigatório para os Estados-membros da ONU. Por sua vez, a União Europeia, no âmbito da denominada Política Externa e de Segurança Comum (PESC), também admite a aplicação desse tipo de medidas de sancionamento, tanto como política autônoma da UE quanto execução das resoluções do Conselho de Segurança da ONU.
“A primeira instituição a adotá-las foi o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais.”
Da mesma forma que a ONU e a UE, os estados também podem adotar medidas de caráter restritivo, de maneira autônoma e independente, respeito de outros estados. O caso mais conhecido é o dos EUA; porém, ele não é o único. Países como o Canadá ou o Reino Unido também são conhecidos pela aplicação de sanções.
Embora sua eficácia às vezes seja colocada em dúvida, elas são de fato impostas e restringem seriamente a capacidade de operação econômica do país punido. É pouco importante se com isto podem causar graves dificuldades ao país e à sua população. Como consequência, a eficácia desses instrumentos legais para manter a paz e a segurança internacionais é por vezes questionada ou, pelo contrário, se contribuem para a proliferação ou agravamento de situações adversas.
Contudo, é indiscutível que, no contexto geopolítico em que estamos inseridos, a multiplicidade de estados ou órgãos que impõem sanções e a diversidade das medidas adotadas fazem o regime de sanções a nível mundial variar de maneira contínua, gerando muita insegurança jurídica nos investimentos e no comércio internacional e afetando, ainda, o negócio de seguros e resseguros a nível mundial.
A casuística é muito variada. Em geral, as importações e exportações podem ser classificadas como restrições. Podem ir da proibição para o fornecimento de bens e serviços, petróleo, equipamentos de telecomunicações, etc., até a proibição de aquisição de recursos chave, cuja importação é fundamental para a atividade do país sancionado. É também possível aplicar o congelamento de fundos ou que o estado que penaliza proíba seus habitantes de investir no país sancionado, pressionando pessoas ou grupos empresariais para mudarem sua política comercial com o país em causa.
As sanções internacionais no âmbito dos seguros/resseguros
Especialmente no negócio dos seguros e resseguros de grandes riscos, é frequente observar a aplicação de sanções que podem ser denominadas de “institucionais”, pois estão dirigidas contra altos integrantes do governo, do poder legislativo e do poder judiciário; ou outras denominadas “econômicas ou comerciais”, impostas a empresas com atividades em diferentes setores, por exemplo, no setor de transportes de mercadorias, terrestre, marítimo, petroleiras, construtoras de infraestruturas, etc.
Os EUA são o país que desenvolveu, com grande perícia, o design e a implementação deste tipo de sanções, e a quem todos olham no negócio dos seguros e resseguros, graças a sua capacidade para produzir efeitos econômicos severos entre os penalizadose afetar especialmente as transações comerciais de todos os operadores econômicos envolvidos.
As sanções impostas pelos EUA, na maioria das vezes econômicas, obrigam como sanções primárias aos habitantes de seu país ou US Persons, e como sanções secundárias às pessoas físicas e jurídicas nacionais de outros estados que não são US Persons. O objetivo das sanções secundárias é compelir empresas e pessoas de outros estados, que não tenham sanções impostas contra um país -ou não tenham as mesmas sanções que as impostas pelos EUA-, a escolher entre operar com o país penalizado ou com os EUA, expondo-os a serem alvo de sanções por manter relações comerciais com o país sancionado. Assim, pode acontecer que uma entidade resseguradora que não é norte-americana possa ser punida pelo fornecimento de cobertura de resseguro a uma entidade ou empresa de outro país sancionado. No fundo, este sistema faz que empresas não norte-americanas deixem de se relacionar com o país alvo das restrições, como acontece atualmente com companhias petroleiras, como é o caso de Petróleos de Venezuela (PdVSA) ou do setor da energia, marítimo e da aviação no Irã.
“Os EUA são o país que desenvolveu, com grande perícia, o design e a implementação deste tipo de sanções, e a quem todos olham no negócio dos seguros e resseguros, graças a sua capacidade para produzir efeitos econômicos severos entre os sancionados”
Todas as sanções internacionais têm certo efeito extraterritorial, já que são aplicadas para um país estrangeiro. Assim, seria possível considerar como excessivo que um estado pretenda dirigir o comportamento de operadores econômicos não sujeitos à sua jurisdição e atuar em contratos, investimentos ou outras operações que não envolvem pessoas, bens ou ações que não tenham relação suficiente com ele ou com os habitantes de seu país. Segundo esta perspectiva, as sanções secundárias dos EUA teriam um efeito extraterritorial que na UE não é considerado admissível.
“A proibição das cláusulas de exclusão de sanções pode chegar a apresentar problemas com os mercados de resseguro, que exigem a incorporação dessas cláusulas em seus slips ou certificados de resseguro.”
Como comentado acima, com tudo isto a prudência fica intensificada ao fazer o seguro de bens e serviços, e todas as entidades seguradoras e resseguradoras a nível mundial se protegem perante o risco de sanções. De modo geral, e como primeira medida, as empresas costumam adotar procedimentos de controle dentro de um programa de sanções ou “sanctions compliance programme”, para efetuar a due diligence correspondente na seleção e assinatura de riscos e buscam o auxílio de consultores especializados que possam alertá-las respeito de quaisquer circunstâncias surgidas que possam representar uma possível exposição a uma sanção internacional relacionada a sua carteira de clientes. Além disso, protegem-se com a inclusão nas apólices de seguro direto de slips e notas de cobertura, com as tradicionais cláusulas de exclusão e limitação de sanções. Essas cláusulas excluem a cobertura de seguro ou resseguro se o pagamento da indenização correspondente pode expor a seguradora ou resseguradora em questão a uma sanção internacional se o tomador, segurado ou beneficiário se encontrar incluído em uma lista de sanções.
No que diz respeito destas cláusulas, assistimos recentemente à oposição dos reguladores de alguns países que limitam ou restringem a possibilidade de excluir a cobertura de (res)seguro por possível aplicação de uma sanção pelos EUA -no caso da Alemanha- ou de reações mais restritivas, como no caso da Argentina ou do Brasil, que proibiram sua utilização nas apólices de seguro direto ou de resseguro.
O Brasil e a Argentina pretenderam limitar o alcance das sanções secundárias para evitar que os EUA possam regular as transações internacionais de sujeitos ou nacionais de seus países, pois consideram que, em virtude do princípio de soberania, só eles é que estão legitimados para regular limitações ou restrições de suas empresas em determinados setores de atividade.
A proibição das cláusulas de exclusão de sanções pode chegar a apresentar problemas nos mercados de resseguro, que exigem a incorporação dessas cláusulas em seus slips ou certificados de resseguro. Qualquer alteração nas legislações locais deverá ser observada pelo mercado de resseguro, para não gerar gaps entre a cobertura do seguro direto e o resseguro. Além disso, a multiplicidade de cláusulas pode propiciar situações de cancelamento ou resolução antecipada de contratos sob jurisdição local não amparados pela cobertura de resseguro.
Em definitiva, a legalidade das sanções secundárias ou de outras medidas restritivas é questionada como tipo de penalização que pode causar danos graves na economia e na população dos países, e esta classe de penalização também gera consequências no ambiente segurador e ressegurador em contínua evolução.
Laura González Hernández, subdiretora de assessoria jurídica da MAPFRE GLOBAL RISKS.
Laura é Bacharel em Direito pela Universidade Complutense de Madri e realizou um Mestrado em Seguros Pessoais no Centro Universitário MAPFRE de Estudos de Seguros (CUMES).
Em 2001 começou na MAPFRE CAJA SALUD, passando posteriormente, em 2007, para a Divisão de Seguros da Espanha e assumindo diferentes responsabilidades.
Em 2013 ocupou o posto de chefe de assessoria jurídica na Subdiretoria Consultiva Geral dos Serviços Jurídicos na MAPFRE ESPAÑA. Nesse mesmo ano, assumiu a posição de chefe de desenvolvimento de negócio de saúde na MAPFRE ESPAÑA.
Em junho de 2015, acontece sua incorporação à MAPFRE GLOBAL RISKS como chefe de assessoria jurídica, posto que desempenhou até julho de 2019.