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Qual é o potencial geotérmico da América Latina?

As características geológicas da região da América Latina conferem ao território um potencial geotérmico extraordinário que, contudo, ainda não foi explorado em sua maior parte. Embora o custo de implantação alimente esta hesitação de desenvolvimento, falamos de uma fonte ecológica e permanente que poderia garantir o autoabastecimento energético e assegurar os projetos de descarbonização. Diego Morata, diretor do Centro de Excelência em Geotermia de Los Andes (CEGA), fala sobre os casos de sucesso comprovados e os desafios que o setor enfrenta.

O contexto geológico da América Latina, muito marcado pela Cordilheira dos Andes, proporciona à região uma característica geotermal extraordinária, com um gradiente extremamente alto. “Estas condições vão desde o México até o sul do Chile e Argentina, e fazem com que seja uma zona muito favorável para encontrar recursos geotermais”, explica Diego Morata, diretor do Centro de Excelência em Geotermia de Los Andes (CEGA). Mesmo se enquadrarmos este modelo energético em conjunto seria correto falar de potencial. Em alguns países a geotermia deixou de ser uma promessa para se tornar uma realidade inquestionável. “O México, por exemplo, superou 1.000 MW instalados, e é a 4ª potência mundial. Deixou de ser uma promessa há mais de meio século”, destaca Morata.

O contexto internacional vivido na atualidade, no qual a independência energética poderia se transformar em um fator determinante do desenvolvimento econômico, o caso mexicano é um ponto de referência para os outros modelos que ainda abordam a exploração geotérmica em sua etapa inicial. “Os países andinos, em general, têm um recurso energético fabuloso sob seus pés, e isso poderia pressupor uma segurança para a região”, afirma o especialista.

Também o Chile apostou em um plano de descarbonização muito robusto até 2050, quando terão que ser desativados e substituídos milhares de megawatts dependentes de combustíveis fósseis, provenientes, na maioria, de mercados estrangeiros. “Promover um componente técnico para a geração de eletricidade dá segurança às matrizes desses países, que seriam, ao menos em parte, autônomos da conjuntura política internacional. Se isso também ajuda a descarbonização, a geotermia como fonte de energia direta deveria ser uma prioridade para os governos da América Latina”.

Cenário atual e desafios do setor

Na análise da situação da energia geotérmica na América Central, e deixando de lado o excepcional desenvolvimento do México, vemos uma representação modesta em alguns países (como a Guatemala, 52 MW ou Honduras, 35 MW), mas importante em outros (como Costa Rica, 260 MW, El Salvador, 204 MW ou Nicarágua, 107 MW). “E depois vamos para a América do Sul, onde está o máximo esplendor da Cordilheira dos Andes e que durante muitos anos foi dito que era a grande potência a ser explorada. Nas últimas décadas, houve muitas promessas de desenvolvimento no Peru, Bolívia, Colômbia, Equador, Argentina, Chile etc., mas a realidade é que custou muito para se realizar. O primeiro país a explorar a geotermia foi o Chile que, em 2019, inaugurou finalmente uma planta com 48 MW, com uma expansão que, caso se concretize, acrescentaria mais capacidade neste mesmo ano”, afirma.

Um dos principais obstáculos ao maior fortalecimento da geotermia na região foi o custo de implantação, embora o diretor do CEGA afirme que esta despesa deva ser considerada em perspectiva. “Possivelmente a energia geotérmica seja mais cara de ser implementada que a solar, mas a vantagem da geotermia é a estabilidade. É uma fonte de energia renovável que não depende de condições climáticas, que funciona 24 horas por dia, 365 dias do ano. Ou seja, pode ser utilizada como energia de base e isso, hoje em dia, nenhuma outra energia renovável permite”, garante.

Além das vantagens da autonomia energética, que garantem o fornecimento sem condições externas e pressupõem um desenvolvimento econômico para a região, Diego Morata menciona outra aplicação que já conta com casos de sucesso na Europa: a calefação geotermal. Em Paris, milhares de residências utilizam a geotermia há décadas, e em Munique está sendo concluída a construção de uma grande planta que fornecerá calor ecológico para mais de 80 mil residências na Alemanha.

“No Chile, todos os invernos temos a mesma imagem em cidades com uma qualidade de ar muito ruim, porque a calefação é feita principalmente queimando lenha úmida, quando a solução poderia estar sob nossos pés”, afirma Morata, lembrando que esta contaminação resulta em doenças respiratórias. “O Estado tem que investir milhões de dólares em saúde, outro motivo pelo qual a balança econômica no quesito energia deve ser vista de outra maneira, considerando o componente humano. O projeto de Paris não foi resolvido de um dia para outro, mas uma vez que se implementou, a solução foi permanente.

 Usos diretos e potenciais

A maioria dos processos industriais precisa de uma fonte térmica constante, tanto caloríficas como refrigerantes. As bombas de calor geotérmicas, que começaram a ser implantadas com notável sucesso em alguns setores produtivos da Europa, poderiam pressupor uma revolução na indústria latino-americana, uma área geologicamente mais favorável. “São oportunidades de inovação que permitem também o desenvolvimento local. Ao menos aqui no Chile, há uma concepção de querer ter planos espalhados pelo país, em vez de grandes iniciativas”, continua o diretor do CEGA.

 “Já há experiências de uso direto no setor agrícola. Estamos imersos em uma realidade de mudança climática e a agricultura 4.0 indica que é preciso ter um conceito bem mais tecnológico do setor. Podemos ver a implementação de estufas geotérmicas em todo mundo, mas no momento são pequenos projetos, demonstrativos, quando é necessário que se faça uma aposta maiúscula”. Além do México, o caso chileno transformou-se em um exemplo de implementação geotérmica. “A Bolívia tem um projeto muito bonito chamdo Sol de Manhã, localizado próximo da fronteira, no departamento de Potosí, embora ainda não esteja em funcionamento. Temos projetos de cooperação com o Equador, Colômbia, Argentina… países que observam com muito interesse o que está acontecendo aqui no Chile”, afirma Morata.

A característica de benefício em longo prazo do modelo geotérmico não conseguiu, até agora, um grande apoio do setor privado. “Neste momento, com certo grau de incerteza no mercado, levará algum tempo para que sejam desenvolvidos novos projetos técnicos, porque quando se fazem licitações o preço não é competitivo em relação a outras gerações elétricas. Isso está ocorrendo no Equador, na Colômbia ou na Argentina, onde a situação econômica é bastante oscilante”, explica o especialista, que continua apelando por uma iniciativa estatal para impulsionar os planos geotérmicos.

Na inovação do setor poderia estar o incentivo necessário, e sobretudo na obtenção de metais raros a partir da salmoura geotérmica, que derivaria da extração regional de lítio, um elemento de crescente valor comercial. “Creio que seja o estímulo que precisávamos. Nós, do CEGA, levamos anos trabalhando junto do Instituto Tecnológico de Karlsruhe, na Alemanha, justamente na recuperação de metais. O que começou sendo um projeto de investigação demonstrou que as concentrações de determinados elementos são muito promissoras. Os dados publicados indicam que existem toneladas de lítio”, afirma Diego Morata. Esta oportunidade, que já começou a ser explorada em diversas partes do mundo, permanece uma possibilidade promissora na região. “Nos Estados Unidos há plantas que já estão recuperando metais e há programas de inovação na Europa, com muitos milhões de euros de investimento. Façamos também aqui. A oportunidade existe, os cálculos estão feitos e o potencial da América Latina é inegável”, conclui.

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Diego Morata possui sólida experiência em petrologia, geoquímica e geocronologia. Como responsável pela linha Interação Calor-Água-Rocha lidera investigações em padrões de alteração mineral de alta e baixa temperaturas em sistemas geotermais ativos e fósseis, modelagem termodinâmica de alteração induzida por processos fluído-fratura-fluxo e mobilidade química (elementar e isotópica) em processos de interação fluído-rocha. Também é responsável por desenvolver um laboratório de difração de raios-X para caracterização mineral (XRD), além de continuar com seu trabalho como docente de cursos relacionados com a geotermia e como mentor de novos pesquisadores na área.

Atualmente, dirige o Centro de Excelência em Geotermia de Los Andes (CEGA), um projeto Fondap-Conicyt que iniciou suas operações no primeiro semestre de 2011. É composto por uma equipe de pesquisadores da Faculdade de Ciências Físicas e Matemáticas da Universidade do Chile, juntamente com cientistas da Pontifícia Universidade Católica do Chile e de outras instituições internacionais.

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