O setor naval está passando por uma transição tecnológica que pode revolucionar a indústria e a atividade. Embora muitas das linhas de pesquisa abertas estejam centradas em conseguir um transporte sustentável, existe outro objetivo prioritário: os navios autônomos.
Nas últimas jornadas organizadas pela Associação Espanhola de Direito Marinho, uma pergunta surgiu em pleno ato de abertura. “Se os aviões viajam sem tripulantes, por que não os barcos?” A verdade é que, embora os navios autônomos estejam definidos na Lei de Navegação e existam estudos promissores sobre inteligência artificial, os principais avanços só ocorreram até agora em experiências-piloto, e a legislação impede que uma embarcação navegue sem o permanente controle de um responsável presente.
Apesar dos desafios contextuais, o setor está cada vez mais perto de superar esse marco tecnológico, com um importante esforço de investimento em pesquisa e desenvolvimento. “Inovação e tecnologia são cruciais para melhorar o desempenho dos navios, sua sustentabilidade, sua eficiência e respeito pelo meio ambiente no âmbito marinho”, explica Agustí Martin i Mallofré, reitor da Faculdade de Náutica de Barcelona (FNB).
Os objetivos almejados hoje são a implementação de novos combustíveis, a automação de navios, a melhoria logística e a adaptação dos portos. “Os navios devem usar energias alternativas aos combustíveis fósseis”, assegura o especialista e capitão da Marinha Mercante. Nesse sentido, já se avançou na eletrificação de ativos, tanto de navios quanto de portos, e os testes foram até agora realizados em navios de pequeno porte e curtas distâncias. Com esse desafio ambiental, a inteligência artificial (IA) deve definir “a próxima grande revolução” do setor.
Desafios da automação
Uma das principais deficiências do setor para a utilização de novas tecnologias vinculadas à navegação autônoma é a regulamentação vigente. “A Organização Marítima Internacional (OMI) começou em 2017 um estudo exploratório de todos os regulamentos que poderiam ser afetados. A primeira conclusão do estudo foi que, para organizar um mundo no qual os navios não precisem de tripulantes, é necessário definir o que é uma embarcação autônoma. Atualmente, considera-se um navio autônomo (Marine Autonomous Surface Ship, MASS) qualquer embarcação de superfície capaz de navegar graças a programas de IA sem necessidade de interação humana”, explica Martin i Mallofré.
Dependendo de seu grau de autonomia, a OMI divide os navios em quatro grandes categorias:
– Navios com processos automatizados e apoio para tomar decisões.
– Frotas controladas remotamente, mas com tripulação reduzida a bordo.
– Navios controlados remotamente sem tripulação a bordo.
– Barcos totalmente autônomos.
Com os avanços tecnológicos, hoje é possível implementar os dois primeiros níveis de autonomia. “Para o primeiro caso já existem os sistemas de automação, planejamento de rotas e gerenciamento da casa de máquinas e instalações. Para o segundo, há embarcações que podem ser tripuladas e controladas a distância, dependendo unicamente de seu sistema de condução autônoma”, afirma o Reitor da FNB. A confiabilidade de todas as equipes e instalações a bordo é fundamental para o desenvolvimento desses aplicativos.
“A técnica baseada em dados-chave para prever erros,
é a melhor incorporação desta tecnologia”
Inteligência artificial no setor marítimo
O setor marítimo começa a fazer uso da IA quando diferentes empresas —algumas com o apoio de centros de pesquisa universitários— projetam embarcações autônomas e sistemas de monitoramento, embora o FNB avise que ainda não foram implementadas em grandes navios mercantes. “Existe um número muito reduzido de protótipos testados como navios-piloto, mas que futuramente serão aplicados a embarcações enquanto navegam pelo oceano de maneira autônoma, com rastreamento em terra firme, com o controle remoto da embarcação usando tecnologias de realidade combinada e IA”, que até agora se limitaram a operações complexas e muito específicas como, por exemplo, embarcações oceanográficas, simulações ou controle de veículos submarinos operados remotamente (Remotely Operated Vehicle, ROV) em funcionamento no fundo do mar.
Sem incluir a navegação não tripulada, essa tecnologia já tem sido aplicada com sucesso em navios mercantes. “As equipes integradas dispõem de muitos sistemas automáticos”, expõe o especialista, “como o ECDIS, um procedimento eletrônico de visualização e informação cartográfica que permite planejar, colocar em funcionamento e monitorar uma rota de navegação, mudando os rumos automaticamente. Da mesma forma, o auxiliar de plotagem de radar automático (Automatic Radar Plotting Aid, ARPA) faz o monitoramento dos navios”.
Apesar de a integração da IA no transporte marítimo estar em fase inicial, já há um impacto positivo em sua cadeia de valores com outros sistemas tecnológicos. “Ela é utilizada em diferentes portos do Norte da Europa para garantir operações de transporte, de carga e descarga, e inclusive para carregamentos de contêineres com guindastes. Ela também garante o controle dos estoques nos depósitos. Centros avançados de formação marítima e logística já a utilizam para reproduzir diferentes processos da forma mais real possível. Além disso, ela também é utilizada para planejar as melhores rotas de navegação, considerando os fatores meteorológicos e oceanográficos”, assegura o professor Martin i Mallofré.
“Como resultado, seu futuro parece cada vez mais brilhante e é claro que será integrada a quase todos os processos do transporte marítimo”
Um aspecto fundamental da indústria que se transformou por atribuição tecnológica, e devido ao qual houve importantes avanços tanto em sustentabilidade como em eficiência econômica, é a manutenção dos navios. “A manutenção preditiva, isto é, a técnica baseada em dados-chave para prever erros, é a melhor incorporação desta tecnologia, já que a IA contribui para a inspeção a distância, permitindo a detecção antecipada de falhas nos equipamentos. Essas revisões remotas feitas por videoconferência, além do sistema de reconhecimento de imagens e de som, ajudam os armadores e os gestores dos navios a manterem e aumentarem sua vida útil”, garante o especialista.
Como em qualquer avanço tecnológico, a formação da equipe humana é um requisito indispensável para o sucesso. “Para implementar essas tecnologias, é necessário ter pessoas altamente qualificadas e conhecer exatamente os processos nos quais se desejam aplicar tais tecnologias; uma aprendizagem profunda, algoritmos de predição e diagnóstico… Hoje em dia, são poucas as empresas que se dedicam à IA no setor marítimo e portuário. Será um processo lento, pois, paralelamente, a tecnologia também deverá avançar”, afirma Martin i Mallofré, que apesar dos consideráveis desafios, tem uma visão de futuro muito clara. “A IA passou por uma notável evolução na última década. Como resultado, seu futuro parece cada vez mais brilhante e é claro que será integrada a quase todos os processos do transporte marítimo. De fato, nos próximos anos, poderemos ver como estará onipresente em todos os setores”, conclui.
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Agustí Martin i Mallofré é reitor da Faculdade de Náutica de Barcelona (FNB) da Universitat Politècnica de Catalunya · BarcelonaTech (UPC) desde 2017. Ele é capitão da Marinha Mercante, doutor em Marinha Civil, perito regulador de perdas e tem mestrado em Prevenção de Riscos no Trabalho pela UPC.
Professor do Departamento de Ciência e Engenharia Náuticas desde 2001, ele faz parte da equipe diretiva da Faculdade desde 2011.
Como docente, é professor das disciplinas de navegação costeira e navegação astronômica nos cursos de graduação da Faculdade. Como pesquisador, trabalhou em diversos projetos europeus, como o Sea Traffic Management, o Sea Beyond of the Seas e o Greenship Towards Zero Ship Emissions. Foi nomeado em 2021 embaixador marítimo da Organização Marítima Internacional (OMI).
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