Os processos produtivos atuais contam com um grande número de agentes e tarefas envolvidos que não se podem avaliar de maneira isolada, mas necessitam um acompanhamento contínuo e uma visão global para garantir a máxima eficácia. O fio digital surge neste contexto para facilitar a integração de todo o ciclo de vida do produto, desde que é uma mera ideia até sua retirada no mercado. É tal sua relevância que já está impactando em projetos mais além do setor aeronáutico, onde começou a funcionar, e se integra em diferentes setores da Indústria 4.0.
A digitalização em massa do mundo está gerando uma nova realidade que as empresas têm de enfrentar, tal como reconhece Carlos Gallego, Managing Director e responsável pela Indústria X.0 da Accenture na Espanha, Portugal e Israel. A velocidade da inovação é maior do que nunca, o tempo entre ciclos de desenvolvimento continua diminuindo e as expectativas do cliente aumentam continuamente. “Somente sendo uma companhia impulsionada pelos dados na tomada de decisões será possível dar resposta às necessidades dos clientes, entregar novas experiências digitais e aumentar a eficiência operacional”, sentença.
Neste panorama, as empresas devem dominar o fio digital, que é o fluxo de dados rastreável que interliga todos os sistemas relevantes e processos funcionais envolvidos no ciclo de vida de um produto ou serviço. Desta forma pode-se ir adaptando, melhorando e ganhando em eficiência durante todo o processo, a partir de sua conceptualização até o final de sua vida útil. “No plano das operações, trata-se em definitiva de obter a informação correta de nossa fábrica ou companhia, representá-la em uma imagem virtual completa e depois assegurar-se de que as pessoas adequadas a vejam no momento correto, em tempo real”, assinala Galego.
O fio digital é o fluxo de dados rastreável que interliga todos os sistemas relevantes e processos funcionais envolvidos no ciclo de vida de um produto ou serviço.”
De forma generalizada, o fio digital aborda quatro grandes fases do produto:
– Conceito e design. É uma fase puramente digital, com uso de dados para poder reproduzir o protótipo mais eficaz posteriormente.
– Elaboração e monitoramento. Todos os dados da fase anterior são passados para esta etapa de engenharia, onde o produto se materializa pela primeira vez.
– Testagem, validação e fabricação. Após a verificação da operatividade do produto ou serviço, passa-se a sua produção. Com base no fio digital, pode-se comprovar a evolução entre as ideias iniciais e o produto final.
– Lançamento do produto e entrega. Incorporam-se dados do mercado ou da integração do produto em um processo mais amplo.
Oportunidades de melhora
Os dados são uma grande fonte de oportunidade se são aproveitados e utilizados de maneira efetiva. “O fio digital está se tornando cada vez mais importante para dotar as empresas da capacidade de reunir informação de maneira eficiente e proativa baseada nesses dados que permitem, entre outras coisas, melhorar a qualidade dos produtos, aumentar a eficiência dos processos, adaptar os ciclos de inovação segundo as demandas do mercado e oferecer novos serviços aos clientes baseados nos dados”, analisa o especialista.
Administrar todo o ciclo de vida de um produto a partir de uma mesma plataforma, com um fluxo de informação constante e em todas direções, faz com que cada passo do processo seja capaz de melhorar a qualidade do produto, permitindo: evitar que os erros nas especificações conceituais e de engenharia se reproduzam nas primeiras fases; acelerar a aplicação de mudanças na fabricação e na introdução ao mercado; ganhar eficiência na captura e análise de dados ao redor do processo de design e fabricação; e reduzir custos, graças ao uso de serviços na nuvem. Desta maneira, as indústrias podem implementar a maquinaria adequada, otimizar o processo de fabricação com um calendário ajustado e proporcionar soluções eficazes e produtivas.
A tudo isso é preciso acrescentar as vantagens na comunicação, graças à integração em uma única plataforma de todos os fornecedores, colaboradores e departamentos, o que permite a todos os agentes envolvidos seguir a rastreabilidade do produto desde a concepção até a retirada no mercado.
Atualmente, apenas 21% das empresas compartilha a propriedade e o uso do fio digital entre os diferentes departamentos de negócio mais além da função de TI, enquanto que mais de 50% espera que o departamento de TI seja o responsável pelo seu desenvolvimento e manutenção. No entanto, como reconhece Carlos Gallego, estas tarefas dependem de múltiplas funções e sistemas. “Cada parte do negócio será proprietária do seu segmento do fio. Por isso o suporte da direção é crítico, assim como uma liderança empresarial efetiva para o êxito desta transformação”, assegura.
Aplicações tecnológicas
O desenvolvimento do fio digital requer a implementação de diversas ferramentas tecnológicas, entre as que destacam os sistemas CAD (desenho assistido por computador), Product Data Management (PDM, gerenciamento de dados de produto) e Product Lifecycle Management (PLM, gerenciamento do ciclo de vida do produto), junto com as de análise avançada.
A integração de tecnologia IoT nos sistemas PLM permitirá, por sua vez, preparar todo o processo inovador, a engenharia do produto ou a atualização a partir da mesma plataforma que contém os dados de todas as fases de elaboração, que estariam em contínua conexão.
Um dos fatores fundamentais é salvaguardar e garantir a continuidade do fio digital em todas as suas etapas, do próprio esboço – onde os dados, seu tratamento e proteção são chaves – até o protótipo e sua posterior industrialização. “Os sistemas PLM, que preparam a rastreabilidade dos produtos e seus componentes, precisam da integridade dos dados em todo o ciclo de vida, desde o design até a sua fabricação,” assegura Galego.
Daí que considere essencial não só aplicar as políticas de segurança adequadas aos ambientes de informação e no acesso aos mesmos, mas nas próprias redes industriais. “Hoje a segurança industrial e a cibersegurança andam de mãos dadas, e a chave do êxito é a integridade da informação e dos processos de fabricação. ‘Segurança desde o design’ deve ser o modelo associado à gestão de riscos dentro do modelo fio digital”, propõe.
De fato, já é possível criar um fio digital que vincule múltiplos sistemas ERP, PLM e outros métodos dispersos na cadeia de fornecimento com interfaces ou uma só base de dados comum. “Mas é preciso garantir desde o princípio a segurança, esse é o grande desafio”, revela o consultor da Accenture, para quem tecnologias como Blockchain proporcionam uma alternativa desafiadora neste sentido, já que sua capacidade para validar cada dado ao longo da cadeia de fornecimento permite garantir informação precisa e sem manipulações.
Em expansão
A aplicação e melhora de diferentes tipos de tecnologias permitiram ao fio digital expandir seu campo de atuação. Em princípio, circunscreveu-se ao setor aeronáutico, cuja cadeia de fornecimento é muito complexa, dado o grande número de fornecedores envolvidos no design, fabricação e montagem dos materiais de uma aeronave. “No entanto, as capacidades de computação e análise de dados, junto com as infraestruturas de conectividade atuais, estão permitindo aplicar o fio digital a quase qualquer tipo de indústria”, reconhece Carlos Gallego, que cita setores como automotivo, energia, fabricantes de bens de equipamento ou utilities como os que mais estão evoluindo na aplicação do fio digital e na exploração dos dados para melhorar seus processos, graças a uma aposta determinante pela inovação e a uma maior capacidade de arrecadar investimento para tal propósito.
Sua completa execução na Indústria 4.0 requer uma infraestrutura necessária para recompilar dados de diversas fontes e realizar a análise, o que precisa de um investimento econômico relevante, como avalia este especialista, que considera que, uma vez conseguido este requisito indispensável, o principal desafio operacional que enfrenta o desenvolvimento do fio digital é a governança do dado e sua posterior gestão, tendo em conta que “cada um dos segmentos de fio se pode implementar de acordo com as prioridades e maturidade do negócio ou função envolvidos. No entanto, é necessária uma única propriedade da governança do dado, de modo que não esteja sujeita a interpretação e seja único.”
No futuro, as empresas deverão ser capazes de compartilhar estes dados complexos e não estruturados com toda a sua cadeia de valor ampliada, incluindo clientes e fornecedores, favorecendo o intercâmbio de informação de maneira segura enquanto se mantém a propriedade do design, construção e manutenção. “Este modelo compartilhado do fio digital propõe sérias perguntas e desafios sobre como as empresas proprietárias do design do produto e de suas técnicas de fabricação podem compartilhar informação de forma precisa e segura com seus sócios da cadeia de fornecimento”, avalia Carlos Gallego.
Colaborou na elaboração desta matéria…
Carlos Gallego é Managing Director e responsável pela Indústria X.0 em Accenture na Espanha, Portugal e Israel.
Lidera a prática de Indústria X.0 com o objetivo de ajudar as companhias industriais no aproveitamento das oportunidades e capacidades digitais.
Durante seus 25 anos de experiência como consultor, realizou programas de transformação com mudanças complexas em processos de negócio e tecnologia, em companhias industriais e de transporte e infraestruturas.
Engenheiro industrial do ICAI – especialidade de Organização e Gestão Industrial -, cursou o Programa de Desenvolvimento de Executivos do IESE (Universidade de Navarra) e o Digital Business Executive Program no ISDI.