A menor ilha do arquipélago das Canárias tornou-se referência de sustentabilidade após implantar um sistema energético a partir de recursos inesgotáveis da natureza, como o vento ou os saltos de água que, combinados na central hidroeólica de Gorona del Viento, abastecem os quase 11.000 habitantes da região. Conversamos com Santiago González, CEO da Central hidroelétrica e do Conselho Municipal ou “Cabildo” de El Hierro, sobre as etapas que marcaram este desenvolvimento renovável.
Reconhecida pela Unesco como Reserva da Biosfera, a ilha de El Hierro conta com uma das paisagens naturais mais espetaculares do arquipélago das Canárias. Seguindo o plano de desenvolvimento sustentável adotado pelo Conselho Municipal ou “Cabildo”, presente em todas as decisões institucionais desde 1996, a região desenvolveu um sistema energético que é referência em sustentabilidade, baseado em fontes limpas e capaz de abastecer, de modo autônomo, seus quase 11.000 habitantes sem rede elétrica conectada a outro território.
Seu mix energético tem como base o sistema de geração da Central Hidroeólica de Gorona del Viento, composta por um parque eólico de 11,5 MW e uma estação hidráulica de 11,3 MW, além de dois depósitos de água em diferentes elevações. A demanda energética de El Hierro atinge, em horário de pico, números próximos a 7,8 MW. “Quando há recurso eólico suficiente, o parque gera energia para abastecê-lo e, com o excedente, bombeia água do tanque inferior para o superior, produzindo energia hidráulica que, aliada à energia eólica, fornece à ilha um fluxo constante e controlado de eletricidade”, explica Santiago González, CEO da central e do Conselho Municipal de El Hierro. “Pela primeira vez, um território isolado do ponto de vista energético, sem possibilidade de exportar ou importar energia, conseguiu se manter apenas com recursos renováveis por longos períodos de tempo, sem colocar em risco a estabilidade do sistema. Algo até então inédito considerando a variabilidade das fontes limpas como o vento ou o sol”, acrescenta. Quando nem as condições climatológicas nem a água acumulada são suficientes, entra em funcionamento uma central térmica. A Red Eléctrica, operadora espanhola do sistema, decide qual a fonte de energia a atender a demanda em cada momento, utilizando como critério prioritário garantir o abastecimento do território.
Superando a dependência do petróleo
Antes da implantação da central hidrelétrica de Gorona del Viento, o modelo energético da ilha dependia exclusivamente do petróleo. Essa tendência começou a mudar na década de 1990, quando o turismo nas outras ilhas Canárias foi promovido como uma força econômica, e El Hierro ficou de fora dessa campanha tanto por sua geomorfologia peculiar quanto pela pouca comunicação com o mundo exterior. Havia também um interesse protecionista inicial, mas marcante, pelo meio ambiente. “Nesse contexto, surgiu o ‘Plano de Desenvolvimento Sustentável’, no qual era dada especial importância as atividades, que até o momento haviam sido as atividades econômicas tradicionais, como as do setor primário. Mas havia uma grande dificuldade, que também afligiu o povo de El Hierro ao longo de sua história: a escassez de água”, admite o especialista. “Uma superexploração dos aquíferos podia levar à contaminação com a penetração de água salgada. Usinas de dessalinização seriam a opção mais viável, mas avanços no ciclo integral da água implicam maior dependência de energia e, nesse momento, do petróleo”.
Assim, a Endesa, então chamada Unelco, criou um despacho de energias alternativas e estudou as características das ilhas para autossuficiência e iniciou estudos de viabilidade técnica em El Hierro. “São as três entidades, Unelco/Endesa, El Cabildo e o Instituto Tecnológico das Canárias que constroem e operam a Gorona del Viento, com o apoio econômico do Instituto para la Diversificación y Ahorro de Energía”, conta Santiago González.
Desde a sua inauguração, em 2014, numerosas metas foram cumpridas em escala regional e global, que vão desde os 25 dias consecutivos de autossuficiência energética até uma média de 50% de cobertura da demanda anual com fontes renováveis. “Se até agora se pensava que este tipo de fontes, por serem oscilantes, não podiam abastecer o total de um território isolado sem colocar em risco a estabilidade da rede, a Gorona del Viento demonstrou que pode, combinando energia eólica com hidráulica”, afirma o CEO da central.
Embora os primeiros desafios enfrentados para o sucesso desse projeto tenham sido a busca por financiamento, os principais desafios de implementação foram contextuais. Por um lado, foi projetado um sistema de respeito para com o meio ambiente com o apoio da população desde a construção. Por outro, a menor ilha do arquipélago impôs suas próprias regras. “Durante o processo de construção e implementação, as dimensões dos aerogeradores comparadas às estradas por onde deveriam ser transportados, e a dupla insularidade, pois qualquer mercadoria deve passar primeiro por Tenerife ou Grã Canária, geraram propostas desafiadoras”, afirma Santiago González.
Um promissor modelo sustentável
El Hierro tem características que facilitaram seu desenvolvimento sustentável, já que a ilha conta com diversas vantagens que a tornaram um ponto de referência internacional. “El Hierro é uma representação, em pequena escala do continente, com um ciclo completo de gestão integral de água e geração de energia com várias fontes”, garante.
Apesar de sua peculiaridade, o Conselho Municipal garante que o sistema de El Hierro poder ser extrapolado para qualquer outro ambiente. “Não se trata de construir uma central hidrelétrica superdimensionada em outro território, mas sim de aplicar o sucesso comprovado de armazenamento por bombeamento e usar energias renováveis excedentes, que podem ser geradas por diferentes produtores, elevando água para acumulá-la e usando o salto hidráulico para dar estabilidade a essas fontes variáveis, fornecendo energia hidráulica quando recursos primários, como vento ou sol, falham”.
Além das vantagens ambientais deste modelo energético, como Gorona del Viento é uma empresa com participação majoritária do município, os benefícios vão para os cidadãos na forma de subsídios para a compra de veículos elétricos e instalações de autoconsumo para residências, empresas ou fazendas. Este sistema “trouxe outros benefícios indiretos, como a promoção da ilha no exterior, o aumento do turismo científico e oportunidades para o setor de formação. É inacreditável a procura por estágios que recebemos de universidades da região, nacionais e internacionais”, afirma Santiago González, lembrando que, ao mesmo tempo, a garantia do abastecimento de água da ilha já não depende mais dos combustíveis fósseis.
Esta iniciativa bem-sucedida está sendo complementada com outros projetos sustentáveis. “Para chegar a 100% de energias renováveis na Ilha, há estudos para a implementação de outras fontes como a fotovoltaica, além de um importante trabalho de conscientização da população para conter o crescimento da demanda”, explica o especialista. “Quanto a outros setores, é o município que rege as pautas neste caminho, mas podemos destacar, por exemplo, o trabalho bem-sucedido da gestão de resíduos, por um lado, ou a potencialização do turismo de respeito para com o meio ambiente, promovendo, por exemplo, esportes na natureza”, conclui.
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Santiago González, engenheiro de profissão, é CEO da Gorona del Viento El Hierro, S.A. e conselheiro do Conselho Municipal.