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Corredor Bioceânico: artéria rodoviária da América Latina

Este ambicioso projeto nasce visando unificar o coração produtivo da América do Sul: estradas, ferrovias, aeroportos e portos da costa do Brasil com os portos do norte do Chile através dos territórios do Paraguai e Argentina. A infraestrutura e a agilização de trâmites alfandegários facilitará o trânsito transfronteiriço, com alta eficiência logística, maior competitividade econômica e uma integração regional mais efetiva.

Em 21 de dezembro de 2015 os governos do Brasil, Chile, Argentina e Paraguai assinaram a Declaração de Assunção, ponto de partida de um grande projeto rodoviário chamado Corredor Bioceânico. Neste primeiro acordo as quatro regiões concordaram em reforçar grandes infraestruturas interterritoriais (estradas, pontes, ferrovias e túneis), coordenando também medidas que facilitassem o trânsito de pessoas e mercadorias. Esses objetivos foram formalizados com a criação de um grupo de trabalho em busca do benefício de facilidades recíprocas para melhorar a competitividade dos produtos da região nos mercados da Ásia-Pacífico e Europa. “De forma geral as instruções foram cumpridas, como registrado na Declaração de Brasília de 2017, embora não houvesse avanços suficientes. Por exemplo, o plano-piloto para agilizar os controles nas fronteiras dos quatro países foi iniciado, mas não concluído, nem a informatização integrada com sistemas de dados e formulários comuns. Houve avanço nas parcerias de estudos com o setor privado para avaliar o funcionamento da infraestrutura e dos modais de transporte”, explica Herman Cortés, pesquisador do Instituto de Economia Regional Aplicada (IDEAR).

Entre os marcos alcançados nestes sete anos, o especialista destaca os avanços na infraestrutura pendente, muitas rodovias já construídas e em operação, e “a decisão, financiada, de construir a ponte sobre o rio Paraguai, ligando as cidades fronteiriças de Porto Murtinho e Carmelo Peralta”, conectando a região ao Brasil. “Faltam a conexão final em Campo Grande e a pavimentação de alguns quilômetros em território argentino, desde a fronteira com o Paraguai em Missão La Paz, além de terminar a Rota 51 de Salta a Paso de Sico, na fronteira com o Chile”, aponta.

 Localização e impacto nas regiões

O Corredor Bioceânico situa-se em torno do Trópico de Capricórnio e atravessa o coração do ZICOSUR (Zona de Integração do Centro-Oeste Sul-Americano), integrado por províncias da Argentina, estados do Brasil, distritos da Bolívia e do Paraguai, regiões do Chile e do Peru e municípios do Uruguai. Apesar do nome, tem um traçado cujo principal objetivo, como explica o professor Cortés, “mais do que ligar o Pacífico ao Atlântico, é servir para trocas comerciais e turísticas das zonas mediterrânicas que compõem o centro-oeste da América do Sul, além de oferecer às empresas saídas diretas para os portos do Pacífico”, foco das principais demandas comerciais da Ásia.

Infografía de Jorge Cortés G., socio de 'Gráfica Interactiva'

Infografia de Jorge Cortês G., sócio da ‘Gráfica Interactiva’

Embora houvesse uma disposição comum para a participação inter-regional, a infraestrutura rodoviária, historicamente, é uma barreira aos fluxos comerciais entre os diferentes países do corredor. “A falta de estradas adequadas é o principal obstáculo entre o Noroeste argentino e o Chaco paraguaio, bem como entre ambas as regiões e o Sudoeste brasileiro, com o acréscimo, neste último caso, da inexistência de uma ponte que permita a travessia do rio Paraguai”, diz o especialista. Se as reformas previstas no acordo forem realizadas, será possível aumentar tanto os negócios entre essas regiões quanto as importações do mercado asiático. “Este último, além de algumas exportações internas, pode gerar mais cargas de retorno e impedir que caminhões ou trens retornem vazios dos portos chilenos. Esse fator é um dos que aumenta o custo do transporte, que é uma das maiores dificuldades para o comércio sul-americano com o Pacífico”, afirma.

Os estudos realizados até agora sobre o possível efeito nos mercados adjacentes obtiveram resultados promissores. No Brasil, várias localidades de Campo Grande poderão ser transformadas em centros logísticos para exportação para a Ásia, “bem como para coleta e distribuição de importações daquele e de outros mercados”. Na Argentina, “foi demonstrado interesse em estabelecer hubs nas províncias de Jujuy e Salta, enquanto no Chile o maior benefício está em aproveitar o trânsito de mercadorias, promovido por uma organização público-privada biprovincial, que aspira a diversificar a produção na área, até agora basicamente mineradora”, afirma Cortés.

Além do crescimento interno, o corredor poderia gerar importantes correntes de valor entre esses quatro países, como alguns casos de produção mineradora entre o Noroeste argentino com as regiões chilenas de Tarapacá e Antofagasta. “De fato, já há uma importante complementação para a produção de lítio, alguns dos quais são importados pelos portos de Antofagasta. São transportados para a cordilheira no lado argentino e depois exportados para mercados no Pacífico pelos mesmos diques. Prevê-se que algo semelhante aconteça com depósitos de cobre substanciais, prestes a serem explorados na província de Salta”, prevê o especialista.

Outra cadeia – não produtiva, mas de serviços – ocorrerá no setor do turismo, “pela complementaridade com as diferentes regiões dos quatro países por onde passa este corredor. Isto se dará tanto entre países limítrofes, como entre os participantes. Um exemplo disso será o circuito entre o deserto mais seco do mundo, o deserto do Atacama, com a região mais úmida do planeta ou, pelo menos, da América, como o Pantanal, marcos contrastantes que podem ser percorridos em menos de uma semana, passando também por outras atrações internacionais no Noroeste da Argentina e no Paraguai”, conta.

Desafios e próximos passos

Embora, conforme indicado na Declaração de Assunção, o corredor seja um projeto multinacional, inicialmente acordado e apoiado pelas administrações do Brasil, Paraguai, Argentina e Chile, a verdade é que, como explica Herman Cortés, “as regiões por onde passa tiveram, até agora, pouca participação em sua governança”. Desde 2021 os esforços foram ativados por governos subnacionais e algumas universidades locais, que responderam ao chamado para cooperação. “Por outro lado, a participação do empresariado é escassa. Isso, somado aos efeitos da pandemia, fez com que pouco se avançasse nos acordos de comércio e turismo”, que poderiam ser “o mecanismo mais importante para a participação efetiva de todas as regiões envolvidas, especialmente suas pequenas e médias empresas”.

Embora os avanços em infraestrutura estejam ocorrendo conforme o previsto, Cortês assegura que “será necessário, tanto quanto possível, um procedimento único, com controles fronteiriços por meios eletrônicos e aplicando modernas tecnologias, para o que se requer não só acordos entre os respectivos serviços aduaneiros, de controles fitossanitários (para a prevenção e controle das doenças das plantas), zoossanitários e de migração, como também infraestruturas de telecomunicações adequadas nesses pontos fronteiriços, de que atualmente não dispõem. Sem essa agilização as atuais dificuldades continuarão atrasando excessivamente os controles e tornando ainda mais caros os serviços de transporte em virtude das horas perdidas nas fronteiras”.

Os próximos passos em matéria de construção estão, no entanto, bastante claros. Em termos de infraestrutura viária, o projeto mais relevante é o início da construção da ponte sobre o rio Paraguai, bem como a conclusão da rodovia no Chaco paraguaio. Além disso, os quatro países deverão “garantir a verba para o cabeamento de fibra ótica ou outro meio seguro de conexão com a Internet, e todos os sistemas de telecomunicações ao longo do Corredor Bioceânico em seus respectivos departamentos”.

Outro fator considerado no andamento do projeto é o respeito às comunidades originárias que habitam os territórios por onde passa o corredor, “para evitar dificuldades no início do esperado aumento de tráfego que possa gerar externalidades negativas se as medidas cabíveis não forem tomadas a tempo”, conclui Herman Cortés.

Colaborou neste artigo:

Herman Cortês é Jornalista formado na Universidad del Norte. Desde 2018 coordena os Projetos de integração do Instituto de Economia Aplicada Regional (IDEAR), da Universidad Católica del Norte, onde foi nomeado Professor Adjunto do corpo acadêmico e Pesquisador na Faculdade de Economia e Administração da UCN.

Foi Encarregado da Unidade Regional de Assuntos Internacionais do Governo Regional de Antofagasta (2014-2018) e desempenhou as funções de secretário Pró Tempore da Zona de Integração do Centro-Oeste Sul-Americano (ZICOSUR) entre 2014 e 2016, em cuja gênese participou em 1997. Durante os 5 anos em que morou em Salta – Argentina, foi o primeiro secretário-executivo do Grupo Empresarial Interregional do Centro-Oeste Sul-Americano (GEICOS), entre 1975 e 1978. Participou da maior parte das reuniões do Comitê Fronteiriço (depois Comitê de Integração) entre o Norte Grande do Chile e o Noroeste argentino.

Atualmente tem intensa relação e contatos internacionais com o Corredor Bioceânico Vial, que impulsiona os governos do Brasil, Paraguai, Argentina e Chile para o acesso do Centro-Oeste sul-americano aos mercados do Pacífico, através de fronteiras, caminhos, ferrovias e portos internacionais. Foi Coordenador do Projeto FIC-R Corredor Bioceânico executado pelo IDEAR, da UCN, que terminou em 30 de junho de 2021.

 

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