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Construção Naval: inovação e sustentabilidade

A tecnologia e o desenvolvimento de novos materiais são alguns dos fatores fundamentais da construção naval para o sucesso de uma transição para um setor sustentável, e analisamos esses fatores com Rodrigo Pérez Fernández, Doutor em Engenharia Naval pela Escola Técnica Superior de Engenheiros Navais (ETSIN).

 Mais de 90% do comércio mundial é feito por mar, por onde navegam cerca de 100.000 navios mercantes com arqueação superior a 100GT. Universidades, empresas e centros de investigação estão trabalhando arduamente, melhorando os combustíveis e introduzindo novas alternativas mais ecológicas, como as energias renováveis e o hidrogênio”, assegura Rodrigo Pérez Fernández, Doutor em Engenharia Naval pela Escola Técnica Superior de Engenheiros Navais (ETSIN).

Tal como expõe Pérez Fernández,  apesar de ser um setor tradicionalmente contaminante, “devido à conscientização cidadã e às novas regulações ambientais, estão sendo assumidos compromissos para reduzir e, inclusive, eliminar os materiais contaminantes, e fazer da indústria naval um referencial sustentável para outras atividades pesadas”.

Desenvolvimento de materiais

A evolução da construção naval sempre foi marcada pela inovação de ferramentas, métodos de construção e evolução de materiais. Estes aspectos também estão interrelacionados, já que o trânsito da madeira ao ferro, e deste ao aço, supõe a otimização das técnicas de fabricação. “Um dos objetivos da indústria é encontrar materiais que permitam reduzir o peso do navio, ao mesmo tempo que mantêm ou melhoram a resistência, a vida útil e, claro, a acessibilidade”, explica Pérez Fernández. O uso de elementos melhores também ajuda a impulsionar a competitividade, otimizando o rendimento e, inclusive, favorecendo um uso menor de combustível, o que permite aos navios transportar cargas maiores, percorrendo as mesmas distâncias a um menor custo e provocando emissões de carbono menores.

“Os atuais processos produtivos da construção naval incorporam novos dispositivos de controle, verificação e validação. Os robôs, a fabricação aditiva, a realidade virtual e aumentada são cada vez mais habituais em nossas oficinas de montagem, mas também no próprio produto”, assegura Pérez Fernández. Deste modo, o navio é convertido em contêiner e veículo da conectividade de todos os elementos que o compõem, tornando-se cada vez mais inteligente e vinculado com o armador, que pode saber, a todo momento, sua situação e o estado de seus componentes. “Para que tudo isso seja possível, os programas de desenho e construção devem de ser facilitadores da transmissão da informação necessária e, por isso, esses sistemas evoluem para a gestão de dados”, acrescenta.

Os componentes mais avançados, e leves, foram desenvolvidos “a partir de compostos, a nível molecular, através de física aplicada, química e ciência dos materiais”. São divididos, tradicionalmente, em três categorias: metais, compostos e polímeros (reforçados com fibra e feitos de uma matriz polimérica). A esta lista somam-se novos materiais, como cerâmica, nanotubos de carbono e outros nanomateriais.

Os pesquisadores estão encontrando uma ampla variedade de formas de fabricar deliberadamente materiais em nano escala para aproveitar suas propriedades melhoradas, como maior resistência, peso mais leve, maior controle do espectro de luz, e maior reatividade química que suas contrapartes em escala maior. Esta nanofabricação é feita em grande escala, e é confiável e rentável em materiais, estruturas, dispositivos e sistemas”, explica.

Indústria 4.0

Os processos de construção naval não podem ficar à margem do valor que a tecnologia traz mas, para integrá-la, é necessário levar em conta as peculiaridades da engenharia. “São muitos os aspectos aos quais a tecnologia pode ser aplicada no âmbito de nossa profissão. A gestão e o acesso a toda a informação necessária para a execução correta e eficiente de um projeto naval é uma das facetas onde a tecnologia pode ter um impacto muito positivo. O acesso a todas as normas, regras, guias de projeto, boas práticas, lições aprendidas, etc., de uma forma rápida e inteligente, compreendendo a linguagem natural das pessoas, identificando o mais adequado ao processo que está sendo realizado e, sobretudo, aprendendo à medida que se avança no projeto, são algumas das características com as quais as novas tecnologias mais podem contribuir”, revela o especialista de ETSIN.

O Gêmeo Digital feito de geometrias independentes é o melhor meio virtual para simular e otimizar processos, bem como para sincronizar a realidade e o mundo virtual na construção naval.

A Indústria Naval tem longos ciclos de vida e o projeto de navios deve levar isso em consideração no momento de implementar tecnologias no projeto de navios e na formação dos profissionais estaleiros. “A transformação para a Indústria 4.0 implica uma enorme quantidade de tecnologias interrelacionadas e concorrentes, que podem ser analisadas de forma independente, mas devem ser aplicadas como uma implementação completa em cada campo industrial, por meio das ferramentas de projeto, fabricação e engenharia. A realidade virtual, a realidade aumentada e a realidade mista estão intimamente associadas ao conceito de Gêmeo Digital, e interconectadas com o Big Data, que é gerado pelas ferramentas CAD e todas aquelas soluções adjacentes, utilizando o conceito da Nuvem, que gerencia os dados em uma tecnologia combinada por meio de máquinas e processos cognitivos de Inteligência Artificial”, afirma o especialista, listando algumas das linhas de investigação mais promissoras do setor:

  • Robótica. As atividades em ambientes industriais, como um estaleiro, são frequentemente perigosas, e o uso de robôs para realizar tais operações é altamente desejável, especialmente em processos repetitivos ou que seguem algum tipo de padrão mais ou menos complexo.
  • Gêmeo Digital. Encontra-se nas primeiras fases de implementação dentro do setor. “Aerogeradores, plataformas de Oil&Gás, motores e turbinas são, hoje em dia, os casos mais comuns onde se aplica”, indica Pérez Fernández. Há diversas maneiras de realizá-lo: fotografias esféricas, escaneamento 3D e modelo CAD 3D. Essa última é a melhor opção para uma nova infraestrutura ou para um navio do qual já se tenha o modelo 3D e que possa ser atualizado facilmente.
  • A combinação de um modelo CAD 3D e do escaneamento 3D. É possivelmente a mais interessante, já que o navio não é um palco estático. “Este modelo, feito de geometrias independentes, será o melhor meio virtual para simular e otimizar processos, mas também para sincronizar a realidade e o mundo virtual. O modelo 3D incluirá propriedades, parâmetros, conexões diretas às informações oferecidas por seus sensores, e incluirá informações operacionais e modelos preditivos, que funcionarão durante sua vida útil com o objetivo de realizar uma detecção precoce de possíveis problemas”. Para chegar a este ecossistema, é fundamental uma definição de padrões, uma linguagem comum para possibilitar uma integração fácil e rápida dos ativos reais e virtuais em um Gêmeo Digital mais complexo.
  • Inteligência Artificial. Permitiu estender o campo de ação automatizada a situações nas quais é imprescindível levar em conta as condições do meio, detectadas a partir de sensores e que provocam uma resposta automatizada a essas situações. No caso da construção naval, como em qualquer outro campo industrializado, existe um grande número de atividades que os seres humanos estão realizando atualmente e que, devido a seu caráter repetitivo e 100% paramétrico, podem perfeitamente ser realizadas por bots. A tecnologia existe, e está em constante evolução, à espera da análise de todos os processos e determinação de quais deles podem ser realizados de forma automatizada”.

“Do meu ponto de vista, a IA é a tecnologia mais promissora. Como exemplo, pensemos no sistema de controle de um navio, onde é possível implementar alguns processos preditivos integrados à ponte de comando, o que ajuda a deduzir as consequências das operações de manutenção, bem como adiá-las ou evitá-las. Este procedimento aplicado pode incluir os métodos de computação de Edge/Fog, já que implica apenas a rede de comunicação interna do navio, adiando a descarga em massa de dados de operação na sua chegada ao porto (durante a navegação, a transferência de dados só deve ser feita em operações críticas). Ou nos processos de Inteligência Artificial baseados em dados de navegação, no paradigma da construção de séries de navios, que podem obter informações para melhorar os processos de projeto e produção, conclui”.

Colaborou neste artigo…

Rodrigo Pérez Fernández é doutor em Engenharia Naval pela Escola Técnica Superior de Engenheiros Navais (ETSIN), Universidade Politécnica de Madri (UPM). Professor Associado na ETSIN (UPM), ensina diversas matérias. Além disso, é tutor de Projetos e Trabalhos Fim de Carreira ou de Graduação na mesma Universidade, bem como de Teses de Doutorado.

Compartilha sua atividade na universidade com a empresa privada, onde atualmente ocupa o cargo de responsável pelo Setor Naval Militar na Divisão Naval de SENER. Anteriormente, exerceu a função de diretor de Projetos e Consultor, prestando assistência técnica a diversos estaleiros de todo mundo. Participou de vários grupos/equipes de investigação, desenvolvimento e inovação. Autor de vários livros, bem como de mais de 100 artigos técnicos relacionados com a Engenharia Naval. Também foi palestrante em diversas conferências nacionais e interna

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