Além de suportar 99% das telecomunicações mundiais, a rede de cabos submarinos tem potencial para se tornar uma ferramenta valiosa em outras áreas essenciais, como a prevenção de incidentes ou a detecção de eventos climáticos extremos.
O atual sistema de telecomunicações não seria possível sem a extensa rede de fibra ótica que o interliga, principalmente por meio de cabos submarinos. Hoje, 99% das telecomunicações são feitas por meio deles: principais artérias da Internet e conectividade global. Atualmente, mais de 436 cabos operam em águas internacionais, que em extensão equivalem a cerca de 1,3 milhão de quilômetros. Seu valor no desenvolvimento econômico e social é inegável somente com a sua atividade “telco”, mas nos últimos anos também foram investigadas outras possíveis utilizações destes cabos que poderiam ajudar a preservar o meio ambiente, prever eventos catastróficos e prevenir riscos, em infraestruturas portuárias ou cidades costeiras.
Análise sísmica
Um dos primeiros experimentos bem-sucedidos nesta matéria ocorreu na Islândia, quando uma companhia local instalou um cabo submarino para levar a fibra ótica a uma pequena região próxima a Reykjavik. O que para os cidadãos era um importante avanço tecnológico que permitiria melhorar a situação de bem-estar, para os especialistas em sismologia era a oportunidade de realizar experimentos em dois vulcões da região. O primeiro deles, realizado em maio de 2021, um cabo analisou a atividade do vulcão mais ativo da região, totalmente coberto por uma geleira.
O segundo, no entanto, examinava uma erupção em andamento, coletando alguns dos dados mais complexos e detalhados extraídos dessa maneira. Graças a este ponto de partida, os especialistas na área assinalaram que esta tecnologia pode contribuir não só para a monitorização de vulcões, mas também para a avaliação de riscos que possam impactar o ambiente natural ou afetar infraestruturas e populações vulneráveis às suas erupções.
Desafios na medição
Estes avanços no uso alternativo dos cabos submarinos tinham uma importante limitação: a extensão dos cabos, já que estes funcionavam como um único sensor. No caso dos experimentos islandeses, as medições permitiram que os dados coletados fossem precisos o suficiente para agregar relevância às suas conclusões. O primeiro ensaio contou com uma infraestrutura de 12 km de comprimento e o segundo de 4 km.
No entanto, a maioria dos cabos que compõem esta tecnologia submarina são medidos em centenas e milhares de quilômetros. O Marea, por exemplo, que liga o continente americano e a Espanha (unindo a Virgínia com Bilbao), tem mais de 6.000 quilômetros de extensão, ou o Atlantis-2, que também faz escala em nosso país através de Conil de la Frontera e liga a América do Sul com a África e a Europa, mede aproximadamente 12.000 quilômetros.
O mais recente avanço alcançado a este respeito, com base em um estudo exaustivo realizado por uma equipe do National Physical Laboratory (NPL) do Reino Unido e publicado pela prestigiada revista Science, é a segmentação destas infraestruturas de forma a realizar uma análise detalhada de “pequenos” sensores. Esta tecnologia poderia melhorar consideravelmente, e sem alterar as telecomunicações, a observação do fundo do mar, a partir do qual podem ser feitos monitoramentos sísmicos ou vulcânicos, além de uma análise das marés ou sinais oceânicos.
Minissensores em cabos submarinos muito extensos
Os autores deste importante avanço no uso alternativo dos cabos submarinos partiram de uma premissa: a tecnologia de detecção baseada em fibra ótica poderia melhorar a observação da Terra, pegando os imensos comprimentos de cabo sensor e dividindo-os em pequenos repetidores entre 45 km e 90 km. Explorando esta sensibilidade das infraestruturas, a análise do fundo do mar seria bem mais pormenorizada. Desta forma, e como revela um estudo publicado em maio de 2022, “a detecção de terremotos, microssismos e correntes oceânicas seria muito melhor realizada por esta técnica baseada na interferometria”, que permite o rastreio de sinais muito mais definidos que, de outra forma, poderiam dispersar-se na perturbação ótica acumulada em todo o cabo.
Estes mesmos pesquisadores afirmam que, atualmente, todos os cabos intercontinentais podem ser divididos em pequenos fragmentos sensorizados, e o número de trechos estaria limitado somente por sua extensão, de forma que o valor — e a quantidade — de dados que poderiam ser coletados é, na verdade, incalculável. Mais especificamente, seu experimento consistiu em isolar segmentos de detecção individual em um cabo de 5.800 km de comprimento, com o qual conseguiram detectar vários terremotos na região da Indonésia. Eles garantem que, além disso, poderiam servir de alerta para catástrofes climáticas como tsunamis ou como ferramenta de combate às mudanças climáticas, já que analisariam os oceanos e as águas submarinas de uma forma totalmente nova (temperaturas, movimentos, vida subaquática etc).
Esta linha de investigação, que poderá significar uma mudança de paradigma nos estudos geotécnicos e oceânicos, foi precedida por pequenos avanços ocorridos nas últimas décadas. Em 2015, por exemplo, uma equipe de pesquisadores alemães aproveitaram cabos inutilizados não só para detectar terremotos distantes, mas também localizar seu hipocentro, medindo os tempos de impacto das ondas sísmicas nas pequenas curvas do cabo. Foi com o famoso sismólogo Andreas Fichtner que, com base nessas investigações, se voltou para o estudo de terras mais frias e obteve sucessos compaginados com a fibra ótica ativa nos estudos da Islândia.
Publicações científicas citadas neste artigo: Optical interferometry–based array of seafloor environmental sensors using a transoceanic submarine cable. Revista Science. 19/05/2022 (Vários autores). World Wide Site. Revista Science. 09/12/2021. Paul Voosen. |
Se você achou o artigo interessante, continue lendo… Biojet: rumo a uma aviação sustentável