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Aproveitamento energético da atividade vulcânica

A geotermia de alta entalpia está ligada, principalmente, à geografia vulcânica, mesmo que nem todos os contextos sejam igualmente favoráveis para seu desenvolvimento. Os benefícios do uso deste tipo de energia endógena são demonstrados a partir de uma perspectiva do meio ambiente e, apesar de sua implementação ser complexa, não se deve subestimar seu potencial como apoio a fontes descontínuas como a solar ou a eólica. Joan Martí, pesquisador do CSIC e especialista em vulcanologia, nos oferece as chaves do aproveitamento energético da atividade vulcânica.

Nos últimos meses, a atividade vulcânica dominou os meios de comunicação por sua ação destrutiva, mas ela também tem uma vertente produtiva que poderia ser muito benéfica para quem vive próximo a essas estruturas geológicas. Estamos falando do aproveitamento energético da atividade, ou geotermia de alta entalpia, com sua origem em elevadas temperaturas endêmicas (superiores a 250°C), como nos explica Joan Martí, pesquisador do CSIC e diretor de Geociencias Barcelona, centro de inovação do Conselho Superior de Pesquisas Científicas. “É um dos recursos energéticos renováveis e sustentáveis que derivam diretamente da dinâmica do nosso planeta e está relacionado com a libertação de energia interna (calor) causada principalmente pelo contínuo movimento do manto terrestre e das placas tectônicas. Mais especificamente, a energia geotérmica está associada aos sistemas vulcânicos derivados de processos magmáticos complexos que implicam a fusão de rochas em profundidade e a ascensão e armazenamento desta rocha fundida em zonas mais superficiais na forma de câmaras magmáticas, o que provoca uma anomalia térmica acima do gradiente geotérmico médio”, explica.

Os sistemas vulcânicos estão, portanto, associados às bordas ativas das placas, que se afastam (divergentes) ou que se chocam (convergentes). No entanto, também se dão em pontos afastados dessas demarcações. “São os denominados pontos quentes ou zonas de vulcanismo interplacas (por exemplo: Canárias ou Havaí), e neles o desenvolvimento de recursos geotérmicos existentes não é tão importante como nas bordas ativas”, expõe Martí.

 Um contexto favorável para o setor

A energia proveniente de terrenos vulcânicos já é utilizada com notável sucesso em regiões como Nova Zelândia, Japão, Costa Rica ou México, onde representa uma parte importantíssima de seu consumo total de energia. Para que a extração desse recurso seja possível, é necessário, como explica Joan Martí, um importante investimento que se traduza em:

  • Uma boa exploração para definir as características e a extensão do recurso geotérmico, com a realização de poços de gradiente térmico para certificar e dimensionar seus resultados.
  • O desenvolvimento de um plano operacional que minimize riscos e custos, e otimize resultados.
  • Execução de tal plano, valorizando a manutenção sustentável dos recursos naturais, com a criação de poços operacionais e reinjeção que poderão chegar a vários quilômetros de profundidade.
  • Construção de uma usina geotérmica onde se se transforme calor em eletricidade, além do aproveitamento dos fluidos resultantes (gás e água) para aquecimento quando necessário (como ocorre na Islândia) e/ou a recuperação de parte deles no processo de reinjeção.
  • Previsão de um sistema de processamento, reciclagem ou armazenamento dos sais que sobram, produzidos durante a extração do fluido geotérmico.

Mas de que fatores geográficos e contextuais depende sua extração? “A situação geodinâmica determina a existência potencial desse recurso energético. No entanto, nem todos esses contextos garantem sua existência, apesar de terem um denominador comum, como é o calor que gera a anomalia térmica próximo da superfície”, aponta Martí. Para que as condições de aproveitamento sejam possíveis, é necessária a presença de água confinada abundante em uma região determinada, um reservatório, para que possa aquecer sem se expandir.

Esta dependência hídrica é uma das deficiências que impedem o desenvolvimento geotérmico nas Ilhas Canárias. “Apesar do considerável aumento do uso da energia geotérmica de baixa entalpia para usos restritos, o aproveitamento energético de alta temperatura é inexistente segundo os dados disponíveis hoje, pois ele poderia ser encontrado somente em lugares muito específicos, como Tenerife, e uma extração sustentável não pode ser garantida atualmente. Não se conhecem realmente as condições em que se encontram os possíveis reservatórios geotérmicos nem se há condições ótimas para sua exploração”, explica o especialista do CSIC.

Situação e potencial geotérmico

Em escala internacional, o aproveitamento energético de alta entalpia está crescendo progressivamente. Dos 2.000 MW gerados em 1974, superaram-se os 20.000 MW em 2015. Apesar disso, hoje em dia ela ainda representa menos de 0,5% de toda a energia que se consome em nosso planeta, com os Estados Unidos liderando sua produção. Na Espanha, iniciou-se há poucos anos o estudo de seu possível desenvolvimento. “Há muitos exemplos de sucesso”, complementa o professor Martí, “mas eles dependem da economia de cada país, de seus recursos e da demanda interna de energia. Talvez as regiões mais representativas sejam a Islândia e a Nova Zelândia. Costa Rica oferece outro bom exemplo de aproveitamento. Em todos esses casos, a exploração vulcânica está em estado muito avançado, com políticas governamentais que apostam claramente nessa fonte renovável sobre outras, mais comprometidas. Também é necessário mencionar que essas regiões compartilham condições perfeitas para sua utilização, o que não ocorre em outros lugares onde esse recurso existe, mas os benefícios frente aos custos podem não ser tão evidentes.”

O preço operacional e sua rentabilidade são, como garante o especialista, duas barreiras a serem superadas para sua estruturação como fonte energética, além de uma inovação que a torne totalmente limpa, pois ela gera “um importante volume de componentes contaminantes, como os sais hidrotermais, sobre os quais é necessário aplicar programas de gerenciamento de resíduos muito bem elaborados”. Ainda assim, se as condições para garantir sua sustentabilidade forem cumpridas, ela pode se tornar um recurso energético importantíssimo. “Os obstáculos são sempre os mesmos: ambientais, econômicos e políticos.” O especialista também assinala a necessidade de conhecer o potencial real de aproveitamento, para o qual sugere que deve ser feito um importante esforço inicial de exploração e pesquisa. “A partir daí, poderemos pensar em como solucionar todos os outros problemas que possam surgir, levando-se em conta que se trata de um recurso renovável e que, se bem gerenciado, também pode ser sustentável”, assegura.

Segundo o professor Martí, esse investimento será feito com certeza em escala global, já que a conveniência do uso da geotermia de alta entalpia tem sido demonstrada em muitos países. Na Espanha, é preciso analisar “sua possível existência e determinar, objetivamente, a relação custo/benefício nas consequências para o país e para a região e, em particular, sobre a área afetada”, conclui.

Colaborou neste artigo

O professor Joan Martí, especialista em vulcanologia física e riscos vulcânicos, é Doutor em Geologia, Professor de Pesquisa do CSIC e diretor de Geociencias Barcelona (CSIC).

Ele foi secretário geral da International Association of Volcanology and Chemistry of the Earth Interior (IAVCEI), foi editor chefe de Journal of Volcanology and Geothermal Research (Elsevier) e dirige o curso internacional de Vulcanologia da Universidade de Girona desde 2012. É também membro da Academia Europeia e Honorary Fellow da International Union of Geodesy and Geophysics.

 

 

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