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A revolução da nanotecnologia

A variedade de âmbitos de aplicação da nanotecnologia confere a esta disciplina um grande potencial para a transformação econômica dos países e para a modificação dos processos produtivos de suas indústrias. Daí a implicação dos organismos governamentais e do setor privado, que está propiciando o surgimento de centros de pesquisa, o lançamento de programas de P&D e o estabelecimento de alianças para o desenvolvimento de nanomateriais de uso multidisciplinar.

Apesar de que a exploração da nanotecnologia leva décadas estudando-se, seu conhecimento no âmbito empresarial e social não está tão difundido. Mas em que consiste exatamente? Cada um dos trechos de um milímetro dividido em 1 milhão de partes é um nanômetro (nm). Todos os objetos com um tamanho entre 1 e 100 nm entram dentro da escala nano. Uma vez esclarecido este conceito, o Dr. Antonio Correia, fundador e presidente da Fundação Phantoms e coordenador da Rede Espanhola de Nanotecnologia (NanoSpain) explica que “a nanociência reside em estudar a matéria em escala nanométrica, enquanto a nanotecnologia se ocupa do desenvolvimento de aplicações e dispositivos baseados nas propriedades que apresentam os materiais nessa escala de tamanhos”.

O estudo desses elementos em tão pequena magnitude justifica-se porque suas propriedades variam consideravelmente comparadas com as qualidades em escalas superiores, pelo que se procura compreender o comportamento da matéria na denominada “nanoescala” e transformar esses conhecimentos em novos produtos e aplicações. “O poder ‘brincar’ com a matéria nessas dimensões tão pequenas nos permite descobrir novas e infinitas propriedades e possibilidades que poderiam chegar a ser aplicáveis em um futuro”, resume Correia.

A nanotecnologia propõe revolucionárias soluções em múltiplos setores, mediante o redesenho dos sistemas de produção e a obtenção de novos materiais e dispositivos

Setores de impacto

A comunidade científica leva anos pesquisando com átomos, moléculas, nanotubos de carbono, nanopartículas, grafeno, nanofios, cadeias de ácido desoxirribonucleico (ADN), proteínas, lipossomas, vírus, anticorpos, etc. com o objetivo final de poder implementá-los em um grande número de indústrias.

Atualmente existem múltiplas aplicações nanotecnológicas em diferentes âmbitos setoriais, tal como menciona o Dr. Correia:

Têxtil. Elaboração de nanomateriais para sua incorporação no equipamento de trabalho, como tecidos que protegem contra o fogo, repelem a água e preparam o controle térmico.

Automotora: Desenvolvimento de microfibras baseadas em carbono e cem vezes mais fortes que o aço na produção de motores; para-brisas mais resistentes; agentes de reforço em pneus; produtos de borracha; recobrimentos anticorrosivos; ou uso de fibra de carbono no desenvolvimento de peças para aliviar o peso da carroceria.

Construção. Os nanomateriais podem ser aplicados em produtos como o cimento, argamassa e concreto, tintas, revestimentos, materiais isolantes e vidro, contribuindo para a redução de peso ou melhorando suas funcionalidades (durabilidade, força, leveza, resistência ao fogo, estabilidade térmica, autolimpeza e/ou propriedades foto catalíticas).

Medicina. Está sendo pesquisado em nanosensores que são capazes de detectar uma única célula cancerígena no sangue e marcá-la com nanopartículas magnéticas, de maneira que é possível saber com detectores externos em que lugar se encontra para aplicar uma terapia focalizada. Também foram desenvolvidas técnicas de detecção de glicose em sangue muito mais precisas e não invasivas, assim como implantes, próteses ou sistemas de administração de fármacos por chip.

Meio ambiente. Desenvolvimento de materiais, energias e processos não poluentes, como os nanocatalisadores, que conseguem fazer das reações químicas processos mais eficientes e limpos; produção de materiais mais eficazes em obras de engenharia; nanosensores para a detecção de substâncias químicas nocivas ou gases tóxicos; ou materiais para otimizar a reparação do solo, da água e do ar poluídos.

Na construção, os nanomateriais podem ser aplicados em produtos como o cimento, o concreto, isolantes, tintas ou revestimentos

Energia. Aperfeiçoamento dos sistemas de produção (como os LED) e armazenamento de energia (materiais nanoporosos) mediante a melhoria dos materiais condutores (economia de energia); elaboração de células fotovoltaicas e seus componentes; nanotubos e partículas para seu uso em condensadores e baterias; nanomateriais para a aplicação no campo da produção de energia alternativa; e materiais condutores para gerar isolantes térmicos mais eficientes.

Eletrônica. Elaboração de componentes eletrônicos que aumentam consideravelmente a velocidade de processamento nos computadores; criação de semicondutores; nanocabos quânticos; circuitos baseados em grafeno; ou nanotubos de carbono.

Alianças internacionais

O potencial desta tecnologia é tal, que os governos dos países mais desenvolvidos estimularam os investimentos nesta disciplina durante os últimos 20 anos, especialmente nos Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão, que estão à frente da pesquisa em nanociência pelo elevado orçamento que lhe dedicam.

O Dr. Correia destaca o papel que está desempenhando a Europa nos últimos tempos, especialmente mediante os projetos denominados flagship, que acarretam um investimento muito alto (em torno do trilhão de euros em 10 anos) e contam com cerca de 150 instituições envolvidas, tanto do mundo acadêmico como da indústria. Estas pesquisas levaram a UE a liderar o ranking em certos setores de ponta como o grafeno e a nanomedicina. Além disso, a iniciativa intergovernamental de apoio à P&D, I cooperativa no âmbito europeu, Eureka, está criando um novo projeto, denominado Eureka Graphene Cluster, para impulsionar as empresas do referido setor.

A União Europeia lidera o ranking em certos setores de ponta como o grafeno e a nanomedicina

Também, a nanotecnologia é uma das seis tecnologias facilitadoras essenciais da União Europeia, chave na política industrial. Tanto é assim, que o Programa Marco de Pesquisa e Inovação (Horizonte 2020) prevê que no próximo ano “as nanotecnologias estejam completamente integradas em nossa vida diária, proporcionando benefícios para os consumidores em diversas áreas, como a alimentação e a saúde, e gerando novas soluções industriais. Por isso, significarão uma melhoria na produtividade, uma maior eficiência do uso dos recursos, assim como vias de desenvolvimento sustentável.”

Mas os organismos públicos não são os únicos que mostram interesse por esta disciplina. “A atividade das empresas no campo da nanotecnologia coloca em evidência a proximidade do mercado de algumas das descobertas que se gestaram nos laboratórios há alguns anos”, relata o presidente da Fundação Phantoms. De modo que, nos países de ponta na matéria, em torno de três quartas partes do gasto nacional em pesquisa e desenvolvimento procede do âmbito privado, muito propenso a estabelecer alianças entre companhias de diferentes ramos científicos para reforçar a combinação de seus avanços e descobertas. Não obstante, estima-se que a nanotecnologia gerará um negócio global superior aos dois trilhões de euros em 2020 e entre 2 e 6 milhões de postos de trabalho desde 2015.

Por tudo isso, os países que lideram a pesquisa tecnológica em escala mundial (EUA, Austrália, Japão, Coreia do Sul, Índia, China e Israel) dedicaram-se à criação de centros de pesquisa e ao lançamento de iniciativas de P&D internacionais. Entre elas, duas em que a participação da Espanha é notória: o Fórum Estratégico Europeu sobre Infraestrutura de Investigação (ESFRI), com um papel chave na formulação de políticas sobre infraestruturas de pesquisa; e o International Iberian Nanotechnology Laboratory (INL), que pretende criar comunidades científicas sólidas entre a Espanha e Portugal com especial atenção no espaço europeu, América Latina e Mediterrâneo. Correia também destaca o papel importante do ICEX com o Plano Espanhol de Internacionalização da Nanotecnologia, que coordenou através de sua fundação durante mais de 10 anos.

Incorporação industrial

Para o Dr. Correia “é evidente que a nanotecnologia abre a porta para novas aplicações procedentes do intercâmbio de ideias próprio dos espaços multidisciplinares e às poderosas técnicas de fabricação e síntese que estão sendo desenvolvidas”. Entretanto, considera que a chegada desta disciplina às fábricas para sua comercialização em massa requer “uma etapa de amadurecimento que permita superar muitos dos problemas que tem sua transferência em uma escala industrial”. Por isso lembra que, embora atualmente estejam sendo desenvolvidas muitas aplicações, ainda devem evoluir tecnologias capazes de manipular e montar milhares de milhões de nano-objetos para obter materiais ou dispositivos capazes de realizar funções complexas.

APLICAÇÕES INDUSTRIAIS

Fonte: Fundação Phantoms

Além disso, todo o processo acarreta uma série de desafios que é preciso superar. Por um lado, trabalhar com tecnologia mais avançada traz consigo um grande custo que a ciência deve compensar encontrando financiamento através das diferentes agências estatais nacionais. Por outro, existem aspectos legais e éticos do uso das nanotecnologias em diferentes aplicações que é preciso abordar a partir dos entes especializados a fim de normalizar seu uso, o que “pode atrasar alguns desenvolvimentos, mas é indispensável fazê-lo pois se trata de uma nova tecnologia”. Neste sentido, a União Europeia, como os países líderes em P&D, I, leva anos investindo em processos de formalização dentro da pesquisa e no desenvolvimento de instrumentos de medição e provas para garantir a segurança destes materiais sem impor barreiras desnecessárias a seu avanço.

Ao mesmo tempo que se trabalha na superação destes desafios, a nanotecnologia irá incorporando-se às indústrias, para o qual, segundo Antonio Correia, serão usados dois tipos de processos:

Descendentes ou top-down, nos que se parte de sistemas de grande tamanho para conseguir sistemas com partes nanométricas mediante técnicas de moagem, ataque, corte, polido, litografia, pirólise, etc.

Ascendentes ou bottom-up, nos que a partir de pequenas unidades – átomos, moléculas ou diversas nanoestruturas – montam-se sistemas intrincados capazes de realizar diversas funções de uma complexidade crescente. Esta última estratégia é própria da biologia, que é uma grande fonte de inspiração para a nanotecnologia.

Em todo caso, sua evolução industrial é notável, já que a nanotecnologia propõe soluções revolucionárias em múltiplos setores mediante o redesenho dos sistemas de produção e a obtenção de novos materiais e dispositivos enquanto “se postula como uma das bases da próxima revolução industrial”.

Colaborou na elaboração deste artigo…

Antonio Correia

é Doutor em Ciência de Materiais pela Universidade de Paris, graças a seu trabalho de pesquisa realizado no Centro Nacional para a Pesquisa Científica da França (CNRS).

Trabalhou na França no CNRS e na Espanha no CSIC, ambos institutos nacionais de pesquisa. É autor ou coautor de mais de 60 artigos científicos em revistas internacionais e editor convidado de vários livros. Participou em 10 projetos europeus desde o ano 2004 como coordenador ou membro do comitê de coordenação.

Atualmente é fundador e presidente da Fundação Phantoms, organização sem fins lucrativos criada em novembro de 2002 em Madri, que é membro da rede NanoSpain, que aglutina a 380 grupos de pesquisa e empresas (mais de 4.000 pesquisadores) em nanociência no âmbito nacional.

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