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A realidade virtual entra na cadeia de valor industrial

A transformação digital chegou ao setor industrial com a implantação de fábricas hiperconectadas que permitem o acesso e a possibilidade de modificação, em tempo real, de processos e recursos do sistema produtivo. Uma indústria 4.0 onde a conexão entre as novas tecnologias permitiu criar um modelo organizacional e de controle visando uma melhoria da produtividade e da segurança, com a realidade virtual como referência para os sistemas de prevenção de riscos.

Esta nova revolução industrial deu origem a fábricas inteligentes, que incorporam inovações como o cloud computing, a internet das coisas, a integração dos dados ou os diferentes avanços tecnológicos em sistemas de produção. Neste contexto “a realidade virtual conta com uma grande capacidade de relacionar-se com outras tecnologias presentes na indústria”, estima Ángel Gil, especialista em segurança industrial e CEO da tecnológica RenderSide. Esta afirmação baseia-se em exemplos básicos, já que tem a capacidade de dar cobertura quando se trata de visualizar dados resultantes de um contexto de Big Data, controlar à distância robôs de fabricação ou drones de controle, ou representar de forma tangível espaços ciberfísicos correspondentes ao conceito de IIoT (Industrial Internet of Things).

Concretamente, Ángel Gil assinala que há três grandes áreas de impacto da realidade virtual (VR, por suas siglas em inglês) em setores industriais:

Formativa. “Obtenção de conhecimento, habilidade e motivação de um trabalhador exposto a esta tecnologia” graças às tarefas de formação e avaliação ao nível de controle de riscos. Neste sentido, destaca-se o aplicativo que realizaram da RenderSide para a CESVIMAP, onde os trabalhadores podem potencializar sua destreza na hora de identificar fraudes por roubo de diferentes elementos de um veículo.

Designs de instalações ou equipamentos. A capacidade de ‘sentir e experimentar’ seu próprio modelo de engenharia ou arquitetônico” mediante trabalhos de visualizações 3D que facilitam a manutenção preditiva e as reparações de maquinaria de forma remota, já que se pode conhecer em tempo real o estado operacional da máquina (temperatura, combustão, velocidade de rotação, etc.) para predizer o desgaste de algum dos componentes.

Comercial. “Capacidade de emocionar a pessoa que está vivendo a experiência” se a realidade virtual é aplicada a ações comerciais para publicidade e venda de produtos, permitindo “trasladar o usuário para um ambiente sintético gerado completamente por computador, dentro do qual pode experimentar tudo aquilo que tenha sido programado e concebido para tal fim”.

Simulações para melhorar a segurança

Tal como estima Ángel Gil, a tecnologia VR concentra-se no trabalhador como fonte de acidentes no campo da segurança industrial, o que provoca que o espectro de riscos a prevenir seja muito alto em função da periculosidade associada à companhia. Como exemplo, expõe o caso de uma instalação com risco de explosão e/ou cenários Seveso (diretiva comunitária relativa ao controle dos riscos inerentes aos acidentes graves em que intervenham substâncias perigosas). “O aplicativo VR se concentrará em dotar o encarregado de tarefas críticas desta instalação do maior número de ‘horas de voo’ em um ambiente de simulação. Este ambiente será controlado e programado com a intenção de aumentar o grau de conhecimento e habilidade do correspondente trabalhador”, argumenta.

O impacto da realidade virtual na indústria terá especial incidência em três áreas de trabalho: formativa, design de equipamentos e instalações e comercial

Este modelo destaca como o treinamento em realidade virtual proporciona a todo o pessoal envolvido a formação básica perante situações de risco. Desta maneira podem conhecer as técnicas para o controle de quadros operacionais e o procedimento adequado diante de situações críticas (em conjunto com pessoal especializado).

Nesta linha, a empresa Six Dimensions (6D Lab), junto com a Fundación Mapfre e o Parque Científico da Universidade Carlos III de Madri (UC3M), desenvolveu uma iniciativa para gerar ambientes de simulação hiperrealista mediante VR com um nível de imersão total, nos que o empregado confronta-se com situações de risco extremas, como o incêndio em um edifício. Esta ferramenta permite elaborar formações focadas no modo de proceder perante um incidente, graças a dois elementos: o sistema de Eye-Tracker, que ajuda a saber para onde o indivíduo olha durante a experiência (proporcionando dados sobre quanto tempo demorou para ver o fogo, se foi guiado ou não pelos sinais de emergência, etc.) e um monitor de ritmo cardíaco, que proporciona informação sobre o nível de ansiedade que sofre o usuário durante a referida prática.

 

Setores de especial incidência

Apesar de que a realidade virtual é uma tecnologia que até poucos anos estava muito focalizada na indústria do lazer e do entretenimento, estes avanços progressivos em investigação permitiram aperfeiçoar procedimentos e baratear custos, facilitando seu acesso a outro tipo de ramos industriais nos que a melhoria na produtividade é especialmente perceptível, graças à automatização de processos. “Os setores onde se evidencia um maior uso de ambientes imersivos são aqueles onde a visualização e experimentação proporcionam um valor agregado”, comenta Ángel Gil.

Precisamente, as vantagens da realidade virtual tornam-se mais evidentes nesses setores em que os trabalhadores fazem parte do processo produtivo e sua formação envolve riscos pessoais ou de infraestrutura, uma vez que facilita fazer uma instrução multipresença e deslocalizada. Daí que se tenha convertido em um novo filão do setor petrolífero, pois pode-se ensinar a seus operários em ambientes virtuais simulando plataformas sem expô-los aos riscos que acarreta a visita in situ e estabelecendo protocolos de atuação em um ambiente seguro e a menor custo.

Fonte: “Realidade virtual e aumentada. Entendendo a corrida pela próxima plataforma informática”, de Goldman Sachs Group.

No setor automotivo esses impactos são muito perceptíveis, especialmente nos processos de design, fabricação e segurança. A prototipagem industrial está permitindo que os engenheiros comprovem qual seria a versão final de um veículo e como funcionará sem ter de fabricá-lo. Além disso, podem realizar-se múltiplas provas sobre o motor ou os elementos internos do automóvel conseguindo uma poupança considerável de recursos econômicos e materiais. Facilita também o acesso, captura e envio de informação digital sobre os modelos em tempo real, o qual se integra e se guarda no sistema ERP para sua melhoria.

A realidade virtual não só ajuda no perfilamento dos modelos, mas favorece a segurança dos automóveis, ao permitir realizar simulações de situações de risco potencial em ambientes externos – tanto durante a construção do veículo como nos teste de colisão. Esta antecipação leva à identificação de problemas de design ou de ambientes de trabalho que normalmente não são vistos até que os protótipos já estão fabricados.

As simulações permitem ao empregado formar-se, também, no uso de maquinaria pesada ou perigosa, assim como conhecer os riscos profissionais de determinadas instalações sem se expor a eles durante o período de aprendizagem. Este procedimento permitiu à NASA simular a Estação Espacial Internacional para formar seus astronautas na Terra, além de avançar em suas investigações.

Especial incidência terá o aplicativo de VR na construção civil, setor que durante as últimas décadas foi o que registrou o maior índice de sinistralidade. A capacidade de imersão que oferece ajudará a visualizar a obra de forma virtual e, portanto, também os possíveis riscos, de modo que se possam conhecer os perigos e melhorar as medidas de prevenção. Além disso, ajuda a reproduzir sensações tão habituais entre os operários das grandes obras como são o estresse, a angústia, a vertigem ou a velocidade, recriando as diferentes situações nas que se podem experimentar, para ajudar a prevenir e mitigar seus efeitos nocivos.

As simulações permitem ao empregado formar-se sem estar exposto aos riscos profissionais durante o período de aprendizagem

Vencendo o temor da mudança

No entanto, a implementação definitiva deste e de outros tipos de dispositivos de realidade virtual encontra-se com um grande obstáculo procedente dos setores industriais e que está diminuindo sua capacidade de penetração. “O próprio desconhecimento da tecnologia VR no que se refere a seu uso e a grande possibilidade de soluções e ações que podem ser realizadas”, destaca o CEO da RenderSide. Muitas vezes isso se traduz na crença do empresário de que sua implementação supõe realizar grandes investimentos “quando na grande maioria dos casos não é assim”.

Não obstante, realizar uma simulação com elementos físicos supõe um custo logístico muito maior do que uma virtual, na qual, além disso, a repetição de situações de risco ou ambientes industriais concretos pode acontecer e adaptar diferentes modelos de ensaios, sem deterioração de materiais reais que seja preciso substituir.

Ángel Gil acrescenta que, diante deste obstáculo, a indústria felizmente está vencendo outro que vem desacelerando seu desenvolvimento: a mudança de mentalidade. Cada vez mais profissionais estimam que a aplicação de tecnologias de realidade virtual não significará substituir os processos industriais e os modos de trabalho que têm sido desenvolvidos até agora, mas complementá-los para obter um maior valor agregado. “Hoje, começa a ter força o novo paradigma de transformação digital que ajuda a enfrentar-se ao conceito de medo da mudança, apoiado por sua vez pela existência de dados reais resultantes de ter incorporado tecnologia imersiva dentro de uma companhia,” esclarece o CEO da RenderSide.

Por isso um dos principais desafios da realidade virtual é o de instaurar-se nas grandes empresas como uma “ferramenta cotidiana para cobrir uma necessidade; para isso, deve conhecer-se a tecnologia e os benefícios que proporciona, e a própria VR deverá ir adaptando-se cada vez mais às necessidades do empresário”, afirma o especialista.

Neste sentido, congratula-se de que os próximos avanços vão nessa direção. Entre eles destaca a iminente chegada dos óculos de realidade virtual autônomos, que facilitarão toda a experiência, já que não precisam de conexão a um computador, mas podem ser autossuficientes na hora de administrar aplicativos como os Oculus Quest: “Esta solução tecnológica está principalmente dirigida a setores industriais e poderiam acarretar um maior interesse do setor na hora de incorporar soluções imersivas”, conclui Ángel Gil.

Colaborou na elaboração deste artigo

Ángel Gil é engenheiro industrial e tem um Mestrado oficial em Programação Gráfica e Realidade Virtual em sua especialidade de Simulação Avançada, além de um Mestrado Superior de Prevenção de Riscos Profissionais. Possui mais de dez anos de bagagem no setor Indústria, nas áreas de Segurança Industrial e Meio Ambiente, graças a seu trabalho em consultoras e seguradoras de âmbito internacional. Anteriormente ocupou o posto de responsável técnico do Departamento de HSE na MAPFRE Global Risks, e após sua passagem pela Next Limit, onde ganhou experiência no desenvolvimento de simulações avançadas dentro de ambientes digitais, fundou a RenderSide, onde convergem suas duas áreas de conhecimento: a engenharia de riscos e a programação gráfica.

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