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A Perovskita, futuro certo das energias renováveis

 

A crescente demanda mundial de eletricidade torna imperativo o desenvolvimento de alternativas aos combustíveis fósseis, tanto para enfrentar uma próxima escassez de fornecimento como para frear os efeitos da mudança climática. As renováveis são, como fonte natural inesgotável, a chave do futuro desta indústria, e a solar em particular um de seus segmentos mais prometedores. O silício foi até agora o material mais utilizado para a construção dos painéis solares, mas existem avanços e novas linhas de pesquisa em torno de um material muito prometedor: a perovskita.

Segundo a Agência Internacional da Energia (AIE), a potência energética proveniente de fontes renováveis duplicará sua capacidade nos próximos cinco anos, impulsionada principalmente pelo incremento da eletricidade solar fotovoltaica. Este mercado não pára de crescer e ainda está longe de atingir o seu auge: a progressiva diminuição de custos de produção e distribuição e o compromisso das grandes potências mundiais em promover fontes limpas e inesgotáveis fazem delas uma aposta segura para o futuro.

Cada vez há mais casas, comércios e infraestruturas industriais equipadas com instalações de geração distribuída, o que supõe uma mudança de paradigma nos fornecedores, portanto, um grande desafio para o setor. Esta transição energética supôs também uma oportunidade de desenvolvimento e pesquisa alternativa solar. Até agora, o silício tem sido dominante no mercado fotovoltaico, mas nos últimos anos foram dados grandes passos em torno da perovskita, um material mais eficiente (com o silício, apenas 20% da energia do sol é convertida em eletricidade), acessível e menos custoso. Pedro Atienzar, cientista titular do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) e Juan Bisquert, diretor do Instituto de Materiais Avançados (INAM) da Universidade Jaume I, falam-nos das possibilidades que este composto abre diante deste novo cenário.

Do silício à perovskita

Alguns dos descobridores da perovskita fotovoltaica: Nam-Gyu Park, Mercouri Kanatzidis e Tsutomu Miyasaka (2013).

Alguns dos descobridores da perovskita fotovoltaica: Nam-Gyu Park, Mercouri Kanatzidis e Tsutomu Miyasaka (2013).

Atualmente, a maioria de placas fotovoltaicas estão formadas de silício, um componente com propriedades de semicondutividade que favorecem o efeito de transformar a energia dos fótons presentes na luz solar em energia elétrica. Este processo, respeitoso com o meio ambiente, é conseguido a partir de células que servem de intermediário. “É verdade que a tecnologia do silício se conhece há várias décadas e está muito implantada”, assegura Pedro Atienzar. “Seu custo sofreu uma redução drástica nos últimos anos, o que a converte em uma tecnologia difícil de ser superada.” No entanto, a procura de alternativas mais econômicas e eficientes está em curso há algum tempo, e a perovskita mostra sinais promissores de ser a chave para a fabricação de células fotovoltaicas com claras vantagens em relação ao silício.

Mas o que esconde exatamente este termo? Em matéria de energia, a perovskita já não se refere a esse mineral descoberto no século XIX nos montes Urais por Gustav Rose, e nem sequer é um só material. “Trata-se de uma estrutura química conhecida há um século, um composto ternário com átomos que adotam a forma de um octaedro, com um átomo maior dentro e outro tipo de moléculas ou átomos fora. Como é uma combinação de três coisas, existem milhões de variantes” explica Juan Bisquert, que lembra que “no âmbito da fotovoltaica, a revolução produziu-se com a descoberta das propriedades extraordinárias da perovskita composta de chumbo (Pb), iodo (I) e metilamônio (MA)”. O responsável por este achado foi o cientista japonês Tsutomu Miyasaka que, há mais de uma década, revelou as incríveis propriedades da perovskita. Pouco depois outros pesquisadores, como Henry Snaith e Nam-Gyu Park, começaram a conseguir resultados notáveis na conversão de luz solar em eletricidade. “A comunidade científica se deu conta de que acontecia algo extraordinário”, conta Bisquert, “e desde então esta pesquisa tornou-se um dos campos com maior impacto no âmbito mundial. Agora são publicados milhares de artigos a cada ano”.

Caso consigam superar os atuais inconvenientes, a perovskita poderia ser um elemento revolucionário no campo da energia solar 

Propriedades e aplicações

Existem certas qualidades contextuais a favor da perovskita: pode-se encontrar nas montanhas de quase qualquer parte do planeta, sua existência é abundante e seu processo de extração é barato e ausente de emissões. Como nos explica Bisquert, no caso da perovskita como composto (híbrida) “podem formar-se com rotas químicas de baixa temperatura, a partir de materiais abundantes, e produz camadas de qualidade óptica e eletrônica extraordinárias. Este é um fato sem precedentes. Normalmente, sem produzir cristais de alta qualidade – a milhares de graus em forno como o silício e com processos de alto vácuo – as películas não obtêm a qualidade adequada. A perovskita sim o faz, mediante preparação de vias líquidas.” Por isso, o processamento do material – o gasto de energia que requer fabricar uma célula de silício – é mais caro e complexo em comparação com uma de perovskita.

Quanto às vantagens intrínsecas, a perovskita exibe excelentes propriedades ópticas, elétricas e magnéticas, como destaca Pedro Atienzar. “Por exemplo, supercondutividade, quando apresentam bismuto ou cobre, propriedades de óptica não linear quando contêm neodímio ou tântalo ou características dielétricas com titânio ou zircônio. Atualmente, uma variedade que está tendo uma tremenda repercussão no campo das energias renováveis são as perovskitas híbridas halogenadas, que contêm um cátion orgânico e halógenos na estrutura, o que lhes confere umas propriedades excepcionais para absorver e transformar a radiação do espectro solar em eletricidade”. “É um semicondutor excelente”, confirma Bisquert, “com propriedades ópticas ideais, tanto para a absorção de luz como para a geração de luz em LED. Diferentemente dos semicondutores clássicos com essas características, é um material que podemos chamar de macio, com elos fracos, com facilidade de vibrações internas, o que gera inúmeras novidades físicas seguidas de numerosas interrogações abertas.”

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A perovskita é um material que podemos chamar de macio, com elos fracos, com facilidade de vibrações internas, o que gera inúmeras novidades físicas seguidas de numerosas interrogações abertas.

Apesar de que atualmente concentra grande interesse e está em um momento de evolução constante, as perovskitas foram utilizadas durante muitos anos em diferentes aplicações, como aquelas que contêm oxigênio na estrutura e se utilizam em células combustíveis tipo SOFC (pilhas de combustível de óxido sólido) devido a suas propriedades de transporte iônico-eletrônico e catalíticas. No entanto, e tal como ressalta Pedro Atienzar, “as perovskitas que estão adquirindo uma grande relevância são aquelas que apresentam halógenos em vez de oxigênio na estrutura. Atualmente, a sua eficiência certificada no âmbito laboratorial é superior a 23%”, embora ele matize que “apesar destes dados, a principal limitação para o seu uso no âmbito comercial é a estabilidade. Normalmente um painel solar deve durar várias décadas, mas as células solares baseadas nestes materiais degradam-se com facilidade ao serem expostas a umidade, temperatura, oxigênio e luz, mesmo quando se utiliza um bom encapsulado”.

Linhas de pesquisa e desafios do setor

Ao encontrar-se com um inconveniente tão marcado, muitas linhas de trabalho afanam-se em encontrar a composição química que torne a perovskita mais estável em condições de funcionamento, o que poderia contribuir para que este material abastecesse de energia elétrica em qualquer país do mundo, independentemente de seu grau de desenvolvimento. “As condições ambientais afetam tremendamente sua formação, então, se não se tem isso em conta, a reprodutibilidade é difícil”, explica Atienzar. “Atualmente temos abertas duas linhas de pesquisa com estes dois materiais: uma focalizada no seu emprego como fotocatalizadores, utilizando radiação solar para transformar a água e o CO2 em combustíveis e, por outro lado, no campo da energia fotovoltaica estamos realizando estudos a nível microcristalino para determinar os mecanismos que governam a absorção de luz e assim poder melhorar a eficiência deste tipo de células solares”. Além disso, sua equipe está realizando um projeto para conseguir fotocatalizadores baseados em perovskitas híbridas halogenadas que, “embora possam ser instáveis em contato com a água, seu emprego em umas determinadas condições de reação pode permitir a estes materiais converter-se em materiais com uma atividade importante”. Também, estão estudando seu uso “para transformar o CO2, considerado atualmente como um resíduo indesejável e prejudicial ao planeta, em produtos de valor agregado.

Por sua parte, Juan Bisquert nos fala das pesquisas realizadas no Instituto de Materiais Avançados sobre as perovskitas híbridas, que começaram em 2013. “É um campo fascinante que nos permitiu empregar nosso conhecimento sobre propriedades de dispositivos optoeletrônicos, e fizemos contribuições importantes para o campo de pesquisa”, assegura. No ano de 2008, três pesquisadores – além do próprio Bisquert – apareceram na exclusiva pronta ‘Highly Cited Scientist’, um fato com poucos precedentes.

Todos estes avanços, e a aposta necessária pelas energias renováveis, podem converter a perovskita na grande alternativa energética. “Poderia supor uma revolução no setor, não somente pelo baixo custo e pela disponibilidade dos precursores, mas também porque poderia ser depositado de forma simples sobre uma grande variedade de superfícies e até sobre materiais de construção”, esclarece Pedro Atienzar, que conclui dizendo que “caso consigam superar os atuais inconvenientes, poderia ser um elemento transformador no campo da energia solar”.

Colaborou neste artigo…

Pedro Atienzar

Pedro Atienzar é cientista titular do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC). Estudou Engenharia Química na Universidade Politécnica de Valência (1996-2002) e realizou os estudos de doutorado no Instituto de Tecnologia Química (UPV-CSIC) sob a supervisão do Catedrático Hermenegildo García. Posteriormente, realizou dois anos (2007-2009) de pós-doutorado no grupo da Prof. Jenny Nelson do Departamento de Física do Imperial College London no campo dos dispositivos fotovoltaicos, híbridos e poliméricos. Em 2009 incorporou-se ao Instituto de Tecnologia Química (ITQ) onde dirige o grupo de ‘Nanomateriais para Fotônica, Optoeletrônica e Energia’. É coautor de cerca de 70 artigos em revistas internacionais de alto impacto e coinventor de 6 patentes.

Juan Bisquert Juan Bisquert é catedrático de Física Aplicada e diretor do Instituto de Materiais Avançados (INAM) da Universidade Jaume I. Autor de mais de 400 artigos científicos e uma série de três livros que incluem o texto geral ‘Physics of Solar Cells: Perovskites, Organics, and Photovoltaics Fundamentals’. Atualmente é Editor Sênior do Journal of Physical Chemistry Letters. Em 2019 foi selecionado como um dos pesquisadores com maior impacto do mundo – Highly Cited Researchers – (número 2 na Comunidade Valenciana), e foi mentor de mais de trinta pesquisadores. A atividade de pesquisa de Bisquert sempre se caracterizou por intensos contatos e relações internacionais, e ganhou reconhecimento tanto no âmbito nacional como no internacional. Foi professor convidado em Hanyang University (Seoul, Coreia do Sul) e em King Saud University (Riad, Arábia Saudita). Preside a Fundação Scito – que organiza conferências científicas internacionais no domínio de materiais para energias renováveis – e realiza pesquisas experimentais e teóricas sobre materiais e dispositivos para a produção e armazenamento de energias limpas.

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