“Os astrofísicos centramos agora nossa atenção em tentar entender os fenômenos de energia muito elevada que se produzem no Universo e os mecanismos físicos que há em sua natureza”
O Instituto de Astrofísica das Canárias (IAC) é um centro de investigação espanhol internacionalizado com sede em La Laguna (Tenerife), lugar de trabalho habitual da maior parte de seu pessoal científico, tecnológico e de suporte. Aí concentram-se, também, as instalações para desenvolver instrumentação científica.
Seu diretor, Rafael Rebolo López, fala- sobre a evolução da investigação astronômica na Espanha e dos desafios que enfrenta na atualidade.
1. O que é o IAC, que papel desempenha e quais são suas principais contribuições?
O Instituto de Astrofísica das Canárias (IAC) é um órgão público de investigação que tem a entidade jurídica de um Consórcio Público no qual participam o Ministério de Ciência, Inovação e Universidades, o Governo das Canárias, a Universidade de La Laguna e o Conselho Superior de Investigações Científicas. Tem como principal missão a investigação astrofísica, o desenvolvimento das tecnologias associadas, a formação de pesquisadores e a divulgação científica.
Nossos observatórios, situados no Teide (Tenerife) e Roque de los Muchachos (La Palma) são considerados entre os melhores do mundo pela qualidade de seus céus e de suas instalações científicas. Neles participam mais de 20 países que, em colaboração com a Espanha, fazem funcionar mais de quarenta instalações astronômicas. Destaca por sua potência científica o Grande Telescópio Canárias, o maior telescópio ótimo e infravermelho em funcionamento no
mundo, um projeto promovido pelo IAC no qual a Espanha proporciona 90%, e México e a Universidade da Flórida os 10% restantes.
O IAC mantém um alto nível de produção científica que se publica nas melhores revistas de astrofísica, dando lugar a mais de uma publicação diária. Nos últimos cinco anos foram publicados mais de 2.000 trabalhos de investigação em campos tão variados como a física solar, os sistemas planetários, a física estelar e interestelar, a física das galáxias, as astro partículas e a cosmologia. Além disso, o Instituto desenvolve um importante trabalho tecnológico construindo sofisticados instrumentos para a observação astronômica que envolvem âmbitos como crio-mecânica, eletrônica, detectores, óptica e software. No centro há mais de 200 cientistas, incluindo uns 70 jovens licenciados que desenvolvem sua tese doutoral, mais de cem engenheiros superiores e um número similar de pessoal técnico e administrativo.
2. Como evoluiu a observação astronômica graças à tecnologia?
As novas tecnologias de detecção foram chaves para a exploração do universo. O principal salto qualitativo das décadas passadas ocorreu no âmbito dos detectores, cujas características de eficiência e sensibilidade melhoraram de maneira muito significativa, e também nos sistemas ópticos complexos, sistemas multiplexadores, que permitem multiplicar o número de objetos a serem observados no mesmo intervalo de tempo. No referente aos telescópios, passou-se de espelhos monolíticos a espelhos de tipo segmentado como o Grande Telescópio Canárias, que foi um dos primeiros do mundo deste tipo. Esta tecnologia é agora a base para construir os telescópios gigantes do futuro.
3. Parte da atividade de seus telescópios é a transmissão de dados aos satélites, que tipo de informação se transfere e para que se utiliza?
Além de programas constantes de observações astronômicas, também se desenvolvem experimentos novos de comunicação óptica com satélites para melhorar as capacidades de transmissão de informação. Neste campo colabora-se principalmente com a Agência Espacial Europeia, que para este fim tem uma estação óptica no Observatório do Teide, em operação há várias décadas. Também se desenvolveram experimentos de comunicação e entrelaçamento quântico entre nossos observatórios.
4. Não cabe dúvida de que existem fatores astronômicos que condicionam o clima, mas qual é a capacidade dos diferentes observatórios do IAC para prevenir possíveis riscos ou catástrofes meteorológicas?
Nos observatórios registram-se constantemente medidas de caráter meteorológico que nos permitem programar nossa atividade científica da melhor forma. Estas medidas são, certamente, de acesso aberto à comunidade científica e, em particular, à Agência Nacional de Meteorologia, que é quem tem a missão de realizar as predições nessa matéria.
“Qualquer projeto tecnológico no qual se utilizem avanços recentes implica um risco, mas este é mitigado com o planejamento exaustivo de todos os passos envolvidos em seu desenvolvimento, partindo de um conceito preliminar muito detalhado em que se prevejam todos os aspectos tanto técnicos como humanos”
5. É certo que a evolução da investigação astronômica é de tal alcance que em dez ou quinze anos se poderia reproduzir as condições do Sol na Terra, gerando energia própria, inesgotável e sem resíduos radioativos? De ser assim, como poderia essa descoberta afetar o setor energético e a sociedade?
Há muitas décadas que os cientistas compreenderam o mecanismo de geração de energia em nosso Sol, essencialmente de fusão de hidrogênio. Esta é uma fonte praticamente inesgotável que, se fosse possível reproduzir de forma controlada, seria um enorme avanço para a humanidade. O projeto tecnológico que persegue este salto chama-se ITER, está situado na França e é desenvolvido por um grande consórcio internacional do qual nosso país também participa. Os astrofísicos centramos agora nossa atenção em tentar entender os fenômenos de muito alta energia que se produzem no Universo e os mecanismos físicos que há em sua natureza. Estou convencido de que no futuro este conhecimento detalhado poderá ser de aplicação e prestar um serviço à humanidade.
6. Que fatores de risco existem em um investimento astronômico e como tratam de mitigá-los?
Qualquer projeto tecnológico complexo em que se utilizem avanços recentes implica um risco. Este mitiga-se com o planejamento exaustivo de todos os passos envolvidos em seu desenvolvimento. Essa programação passa por um design de conceito ou preliminar, muito detalhado, onde se trata de prever todos os aspectos tanto técnicos como humanos e as escalas temporais e financeiras. Às vezes estes projetos duram 20 anos, e mais de cinco ou seis são dedicados ao planejamento e ao design. Por exemplo, temos o caso de missões espaciais como Planck, na qual o IAC participou junto com muitos institutos europeus e americanos. Além disso, também é preciso realizar uma tarefa constante de gestão e supervisão – especialmente nas fases de construção, integração e testes – e contar com boas práticas em controle de qualidade. Mas a chave em todo projeto é, antes de mais nada, ter uma equipe humana de primeiro nível.
7. Por último, poderia indicar-nos quais são os projetos mais relevantes nos que trabalharão para o futuro?
O IAC persegue, em primeiro lugar, fazer ciência fronteira e tratar de resolver problemas importantes da astrofísica: melhorar nossa compreensão de como evolui o Sol, identificar onde há planetas como a Terra, caracterizá-los, estabelecer se desenvolveram vida, entender como se formam e o que acontece nos buracos negros, compreender qual é a natureza da matéria e da energia no universo.
Para dar resposta a estas perguntas são necessários equipamentos de medida muito sofisticados, e é preciso desenvolver telescópios de última geração para sua instalação em nossos observatórios ou no espaço. O IAC está trabalhando no desenvolvimento de alguns dos telescópios mais avançados em sua classe e na instrumentação que precisam.
Lideramos, por exemplo, o projeto do Telescópio Solar Europeu (EST), construído para estudar o Sol. Também estamos participando no maior observatório de raios gama do mundo, o Cherenkov Telescope Array (CTA). Ambos os projetos, que foram reconhecidos como instalações científicas estratégicas para a Europa, terão sua sede nos Observatórios das Canárias. Neles participam mais de vinte países – não só europeus .
Além disso, também trabalhamos para missões espaciais da Agência Espacial Europeia (ESA), e contribuímos para os primeiros instrumentos científicos do que será o maior telescópio do mundo, o European Large Telescope, que será uma realidade em seis anos e já se encontra em fase de construção. E, certamente, seguirá sendo uma prioridade para nós melhorar os instrumentos de nosso Grande Telescópio Canárias, que atualmente está em pleno rendimento.
Rafael Rebolo López (Cartagena, 1961)
Licenciado em Ciências Físicas pela Universidade de Granada e doutorado em Astrofísica pela Universidade de La Laguna, Rafael Rebolo é cientista do CSIC desde 1988.
Professor de Investigação de Ciências Físicas do Instituto Max Planck de Astronomia em Heidelberg é Diretor do IAC desde 2013.
Dirigiu projetos de investigação em cosmologia observacional, física estelar/subestelar e exoplanetaria. Seus mais de 400 artigos científicos incluem contribuições pioneiras para o estudo do fundo cósmico de micro-ondas e das implicações cosmológicas de sua anisotropia, para o estudo de processos de nucleosíntese no Big Bang e nos progenitores de buracos negros, para o estudo da composição química das estrelas mais antigas e de estrelas que orbitam buracos negros.
Participou na descoberta de exoplanetas gigantes, super-Terras e planetas tipo terrestre. Com sua equipe descobriu as primeiras anãs marrons (objetos intermediários entre as estrelas e os planetas).
Durante sua extensa trajetória desenvolveu programas tecnológicos para observatórios astrofísicos, e participou nas missões espaciais ‘Planck’ para o Fundo Cósmico de Micro-ondas, ‘Euclid’, que estuda a energia escura e o espectrógrafo ESPRESSO para os VLT, concebido para detectar planetas terrestres na zona de habitabilidade.
Além disso, lidera o consórcio QUIJOTE para detectar a marca das ondas gravitacionais do Big Bang. Membro da Max Planck Society e acadêmico da Real Academia de Ciências Exatas, Físicas e Naturais, recebeu os Prêmios Iberdrola de Ciência e Tecnologia Jaime I de Investigação, Canárias de Investigação, Jules Janssen de Astronomia e o Prêmio Nacional de Investigação em Ciências Físicas.