A indústria e os serviços metroferroviários são reconhecidos como um dos setores econômicos mais importantes nas diferentes cidades onde estão presentes: são grandes fontes de geração de emprego, impactam positivamente nas economias locais, e apresentam importantes benefícios ao meio-ambiente. Embora seu desenvolvimento na região latino-americana venha sendo desigual, hoje existem importantes projetos em andamento em suas atuais metrópoles. Apesar disso, seu planejamento e construção costumam ter um grau de complexidade maior do que outros tipos de obras. Manuela López Menéndez, presidente da Asociación Latinoamericana de Metros y Subterráneos, fala nesta entrevista sobre evolução, desafios e soluções que a construção e adoção deste sistema de transporte oferecem.
1) Como tem sido a evolução das infraestruturas subterrâneas na América Latina? Quais cidades da região foram pioneiras na construção do transporte ferroviário e mais especificamente do metrô?
Na América Latina, em 1913, Buenos Aires foi pioneira na execução de infraestrutura ferroviária subterrânea, não só com a linha A mas também com a execução de um túnel de carga de via única destinada a levar os trens da ferrovia Sarmiento até a zona portuária de Buenos Aires. A linha A foi executada a céu aberto, com mão de obra intensiva, quando nosso subsolo não estava cheio de interferências como hoje.
Passaram-se muitos anos até que, no final dos anos 60 e 70, primeiro a Cidade do México e depois São Paulo, Rio de Janeiro e Santiago do Chile adotaram o metrô.
2) Qual é a situação atual quanto à infraestrutura de transporte metroferroviário na região? Está adequada às necessidades das cidades latino-americanas?
As obras dos metrôs estão cada vez mais caras, tanto pela quantidade de interferências que vão ocupando o espaço subterrâneo quanto por consequência do desenvolvimento de outras infraestruturas, por exemplo, os menores níveis de riscos que estamos dispostos a aceitar na sociedade moderna, além do progresso tecnológico que oferece sistemas bem mais sofisticados.
Por tudo isto, em alguns casos estão sendo projetados metrôs elevados e em outros, as obras sofrem atrasos em relação ao planejado.
3) Recentemente, foram publicadas várias notícias na imprensa que falam sobre importantes investimentos em infraestruturas metroferroviárias em países da região. Poderia mencionar alguns dos projetos mais relevantes em andamento ou em fase de planejamento na região?
Quito e Bogotá estão construindo metrôs. No primeiro caso, subterrâneo, iniciado em 2013 e com previsão de iniciar as operações em meados de 2022. O segundo é elevado e seu funcionamento está previsto para o ano de 2028. Lima, por sua vez, vem construindo a linha 2 subterrânea desde 2014, que se somará à linha 1, que é elevada.
Santiago do Chile tem também um grande plano de expansão. Atualmente estão em construção as extensões das linhas 2 e 3, a nova linha 7 e encontram-se em processo de licitação os estudos para duas linhas novas.
4) Em linhas gerais, quem são os principais investidores que operam na construção de obras metroferroviárias na América Latina?
Na grande maioria dos casos, as empresas estatais responsáveis pela construção, operação e gerenciamento das redes de metrô na América Latina pertencem ou são financiadas total ou parcialmente pelos governos nacionais da cada país. Nos três primeiros casos mencionados na pergunta anterior, houve financiamento de bancos multilaterais e dos governos nacionais e municipais. As obras do metrô de Santiago são financiadas em grande parte pelo tesouro nacional e em menor medida pela venda de bilhetes.
5) Quais são os grandes desafios na gestão de projetos de construção para este tipo de infraestrutura? Que particularidades seu planejamento apresenta em comparação com outros tipos de obras?
O planejamento e a construção de projetos subterrâneos de metrô costuma ter um grau de complexidade maior que outros tipos de obras. A necessidade de um grande número de sistemas coexistirem e interagirem num espaço reduzido, as interferências de outras infraestruturas subterrâneas e de superfície, as dificuldades geotécnicas e de construção, e as questões de segurança e evacuação são todos elementos que dificultam muito a concepção e a execução deste tipo de obra.
6) Como são as políticas de gestão de riscos associadas a estas infraestruturas, com ameaças tão específicas?
O risco é elemento inerente a toda obra subterrânea e deve ser levado em consideração desde as primeiras etapas de planejamento e desenho dos projetos, até sua construção e posterior operação. Pode ser gerenciado, minimizado, compartilhado, transferido ou admitido, mas nunca deve ser ignorado.
A execução de análises e modelos que permitam identificar com clareza os riscos junto a suas respectivas medidas de prevenção e mitigação, atribuindo-os aos diferentes atores envolvidos nos projetos, é uma prática habitual nos projetos de metrô.
A gestão de risco em uma obra subterrânea é um tema complexo e sua abordagem vem evoluindo constantemente nos últimos anos. Para citar um exemplo, o livro Esmeralda de FIDIC (*) publicado em 2019 foi desenvolvido especificamente para obras de túneis. Embora tenha sido concebido fundamentalmente para contratos de túneis de montanha, onde o risco geológico costuma ser maior do que pode haver em uma obra de metrô, muitos dos conceitos que surgiram dele são aplicáveis aos nossos projetos.
7) Atualmente, quais países são mais especializados neste tipo de construção e quais estão apostando mais no seu desenvolvimento?
Devido à sua complexidade e alto custo, é natural que o maior desenvolvimento deste tipo de construções tenha ocorrido nos países mais desenvolvidos. As principais cidades da Europa, como Londres (prestes de inaugurar a primeira linha do Crossrail), Paris, Madri e Barcelona contam com sistemas de metrô e interconexões ferroviárias subterrâneas que são exemplos a serem seguidos. O metrô de Nova Iorque, com mais de 1.000 km de túneis, segue sendo o de maior extensão no mundo, para citar um exemplo nas Américas. E a China, de forma discreta, provavelmente é hoje em dia o país com maior investimento de infraestrutura neste tipo de projeto. No contexto latino-americano, o metrô de São Paulo e o metrô de Santiago continuam na vanguarda no que se refere a desenvolvimento da malha.
8) Quando se fala de transporte metroferroviário hoje em dia, costuma ser apresentado como uma solução de transporte sustentável. Em que se baseia esta afirmação? Quais são as vantagens em comparação com outros tipos de transporte?
Os sistemas ferroviários apresentam o potencial de serem transporte de massa e terem velocidade comercial. Demandam investimentos significativos e custos de operação elevados que se justificam nos casos das grandes metrópoles. Os avanços tecnológicos têm sido adaptados pela indústria na eletrificação, nas comunicações e nos sistemas de sinalização, permitindo transportar grande quantidade de pessoas com uma baixa pegada de carbono e com um mínimo de espaço urbano. A combinação com outros meios de transporte sustentável como ônibus, bicicleta e deslocamento a pé permite aos grandes aglomerados urbanos montar sistemas integrados de mobilidade sustentável que possam minimizar o uso do carro particular, o consumo de combustíveis fósseis, reduzir os tempos de viagem, os níveis de congestionamento, os sinistros rodoviários e suas consequências medidas em número de mortos e feridos graves.
9) Quais são os avanços tecnológicos que mais têm incidido na evolução do transporte ferroviário, e quais se apresentam, na sua opinião, como os mais promissores para o setor no futuro?
Os diferentes níveis de sinalização e operação ferroviária que tendem à automação, reduzindo os intervalos, mantendo e até melhorando a segurança permitem otimizar o uso de uma infraestrutura cara de se construir e de se operar. Para isso, os projetos devem ser executados em corredores onde a demanda garanta que os benefícios justifiquem estes níveis de investimento.
10) E por último, como presidente da Alamys, que medidas/ações você considera essenciais promover para impulsionar ainda mais a expansão do sistema metroferroviário na região?
As grandes cidades enfrentam o desafio de melhorar a mobilidade de seus habitantes, oferecer oportunidades de emprego de qualidade e acesso a diferentes serviços de educação, saúde, cultura e entretenimento. As centralidades urbanas manterão sua vitalidade se a sua área de influência for suficientemente extensa para competir com o surgimento de subcentros no âmbito dos processos de descentralização.
Os sistemas ferroviários de superfície, elevados e subterrâneos, como parte de sistemas integrais de mobilidade, podem oferecer o potencial de massa e a eficiência nos deslocamentos que as grandes metrópoles precisam nas distâncias mais longas e nos corredores com mais demanda para oferecer uma alternativa ao uso indiscriminado do carro particular e todas suas consequências negativas associadas.
Além disso, foi diretora da Agência Metropolitana de Transportes com a missão de desenvolver políticas públicas junto à Província e a Cidade de Buenos Aires, para melhorar a mobilidade na Região Metropolitana.
No terceiro setor, é sócia fundadora da Fundação Base; fez parte da Fundação Apertura e da Fundação Asociarse para Crecer, para o desenvolvimento produtivo regional; e foi assessora de Políticas Públicas referidas ao Espaço Público na Fundação Creer y Crecer.
(*) O “Emerald Book” Livro Esmeralda (mais formalmente: “Condições do Contrato para Obras Subterrâneas”) foi produzido pela Federação Internacional de Engenheiros Consultores (FIDIC) e a Associação Internacional de Túneis (ITA). Foi lançado no Congresso Mundial de Túneis em Nápoles. O lançamento ocorre após vários anos de trabalho intenso por parte de um grupo de trabalho conjunto de representantes da FIDIC e da ITA que identificaram vários problemas que a nova forma padrão de contrato deveria abordar para promover a distribuição equitativa do risco e a solução efetiva das condições normalmente imprevisíveis em tais projetos.