A energia eólica supõe uma grande oportunidade de desenvolvimento econômico e industrial para a Espanha, tanto na aplicação, com o potencial de amplas zonas costeiras, quanto em I+D, onde conta com uma rede de centros de investigação, universidades e plataformas de teste que há mais de 15 anos desenvolvem estudos e tecnologias já aplicados a projetos internacionais. Tomás Romagosa Cabezudo, diretor técnico da Associação Empresarial Eólica, fala-nos dos desafios do setor e de seu impacto em áreas estratégicas relacionadas, como a construção naval, a engenharia civil ou a indústria metalúrgica.
A eólica marinha é uma fonte de energia ilimitada, limpa e renovável que se apresenta como uma importante alternativa para atingir os objetivos de descarbonização. Qual será sua contribuição para propiciar uma economia europeia climaticamente neutra em 2050? Poderia descrever seus principais pontos fortes?
Em 2021 havia 25 GW de potência instalados na Europa, com 2,9 GW instalados em 2020 apesar da pandemia. Dentre os países que mais capacidade possuem se encontram Reino Unido, França, Dinamarca, Países Baixos, Alemanha e Bélgica.
A União Europeia realiza uma aposta ambiciosa pela incorporação da eólica marinha dentro de sua estratégia de descarbonização para 2050. O Plano Estratégico Europeu em Tecnologias Energéticas (SETPlan) adotou como objetivo estratégico consolidar a liderança global da UE em energia eólica marinha. No final de 2020 a Comissão Europeia aprovou a Estratégia Europeia de Energias Renováveis Marinhas, estabelecendo objetivos de mais de 60 GW em 2030 e de 300 GW em 2050.
A eólica marinha é uma grande oportunidade de desenvolvimento industrial e econômico para a Espanha. Nosso país dispõe da cadeia de valor completa do setor eólico marinho, com a oportunidade de se transformar em um polo industrial e de desenvolvimento tecnológico neste âmbito, especialmente da tecnologia flutuante. Isto permitirá atingir os objetivos energéticos e climáticos estabelecidos pela Espanha com impacto macroeconômico positivo ao país, mas também em nível local e regional graças à criação de empregos qualificados, aumento das exportações e crescimento do PIB nacional.
Segundo dados do Ministério para a Transição Ecológica, em 2030 a capacidade de instalação anual de eólica marinha poderia superar a eólica em terra, e estima-se que fornecerá 14% da demanda de eletricidade na UE. Em que momento se encontra seu desenvolvimento? Como impulsionar seu crescimento?
Em nosso país, o Roteiro aprovado recentemente para o desenvolvimento da Eólica Marinha e das Energias do Mar na Espanha estabeleceu o objetivo de instalar 3 GW em nível nacional. Neste momento, o Ministério para a Transição Ecológica e Desafio Demográfico está trabalhando na Classificação do Espaço Marítimo para identificar as zonas mais sustentáveis e eficientes para a instalação de parques eólicos marinhos, bem como no desenvolvimento do regulamento de tramitação e adjudicação de projetos. Este marco regulamentar está previsto para ser finalizado no final do ano, para que, a seguir, possa ser convocado o primeiro leilão na Espanha.
Que vantagens apresentam as instalações eólicas marinhas em frente às instalações em terra?
A eólica marinha é uma energia renovável que utiliza o potencial do vento de alto mar para a geração de eletricidade. Os aerogeradores marinhos operam de maneira similar a seus homólogos terrestres, sendo as diferenças mais notáveis entre ambas as tecnologias a adaptação dos projetos offshore ao meio marinho e a natureza da estrutura de suporte que eleva as máquinas acima do nível do mar. Algumas das vantagens da eólica marinha são:
- O recurso eólico em alto mar é superior ao de terra firme em velocidade média e regularidade, permitindo que as turbinas eólicas gerem energia durante mais horas ao ano.
- As limitações logísticas para o transporte são muito menores, especialmente na eólica marinha, o que permite instalar aerogeradores de maior altura e de potências mais elevadas.
- Tudo isso permite à eólica marinha obter fatores de capacidade bem mais elevados que outras tecnologias renováveis, podendo superar 50% em muitas localizações.
- A eólica flutuante permite instalar aerogeradores a distâncias mais afastadas da costa, o que minimiza o impacto paisagístico e aumenta as possibilidades de coexistência com outras atividades.
Nem todas as técnicas eólicas marinhas são iguais. Que diferenças podemos apreciar entre os aerogeradores marinhos com fundação fixa e os de plataforma flutuante? Reside o futuro desta energia no segundo tipo?
Até o momento, a maior parte dos parques eólicos marinhos comerciais em serviço baseiam-se nas tipologias de fundação fixa. Com esta tecnologia, as fundações dos aerogeradores ficam pilotadas ou instaladas sobre o fundo marinho, o que supõe que seja uma tecnologia adequada para profundidades de 50-60 metros. A profundidades maiores tornam-se inviáveis pelos elevados custos econômicos e as dificuldades técnicas para sua instalação e manutenção.
No entanto, a aposta pela eólica marinha na Espanha é com tecnologia flutuante, dadas as características de nossa costa que, pela escassa plataforma continental, atinge profundidades muito elevadas. As plataformas flutuantes sobre as que se instalam os aerogeradores são estruturas que permanecem flutuando no mar, mas fixas no fundo do mar com correntes e sistemas de ancoragem. Isto permite abrir a porta a localizações com maiores profundidades, inacessíveis para a tecnologia de fundação fixa, o que supõe uma importante vantagem dado que 80% do recurso marinho na Europa se encontra em águas a mais de 60 metros de profundidade. O desenvolvimento da tecnologia marinha flutuante permite reduzir os custos e riscos relacionados com a construção, instalação, operação e desmantelamento da eólica de fundação fixa. Os primeiros projetos de eólica flutuante começam a ser uma realidade e espera-se uma grande expansão nos próximos anos.
Focando na Espanha, que situação e potencial apresenta a geração de energia eólica marinha?
Na Espanha contamos com mais de 6 mil km de costa, com zonas com um elevado potencial para a instalação de parques eólicos marinhos. Regiões como Galícia, Astúrias, Girona, Canárias e a zona do estreito de Gibraltar, apresentam condições de recurso eólico muito favoráveis, com velocidades médias de vento elevadas.
O objetivo do Roteiro é dispor de 3 GW de eólica marinha em 2030, uma cifra alcançável desde que haja a regulação apropriada e sejam convocados leilões. As previsões para 2050 estão entre 13 e 17 GW, segundo os cenários de desenvolvimento contemplados.
Para atingir estes objetivos é fundamental trabalhar com rigor e diálogo, procurando o consenso e a coexistência com todos os setores e atividades implicadas no meio marinho.
Este não é nosso único ponto forte. Como está evoluindo o país quanto ao desenvolvimento e a fabricação de equipamentos? Como analisa as capacidades tecnológicas e de engenharia do país?
A Espanha é líder em I+D+i e em desenvolvimento tecnológico de eólica marinha, sendo o país que conta com maior número de patentes de soluções flutuantes na atualidade. A Espanha conta com uma rede de centros de investigação, universidades e plataformas de teste que há mais de 15 anos desenvolvem estudos e tecnologias já aplicados a projetos internacionais e que, com o desenvolvimento da eólica marinha na Espanha, darão ainda maior impulso ao setor nacional industrial e de investigação.
O conjunto de Infraestruturas Científicas e Técnicas Singulares ICTS-MARHIS constitui uma rede de centros de investigação em tecnologias marinhas única no mundo. Destacam-se, por exemplo, as Plataformas de Ensaios como BIMEP (País Basco) e PLOCAN (Canárias), concebidas para a demonstração de novas tecnologias marinhas.
Que envolvimento tem a indústria naval e o setor marítimo-portuário no lugar que ocupa a Espanha como referência internacional na cadeia de valor das instalações eólicas marinhas?
O desenvolvimento da eólica marinha supõe um impulso dos setores estratégicos relacionados, como a construção naval e os estaleiros, a indústria marítima auxiliar e de gerenciamento portuário, a engenharia civil e consultoria, a indústria da construção, bem como a indústria metalúrgica. Para estes setores, a eólica marinha converteu-se em um mercado importante em suas estratégias de diversificação de negócios. Nosso país posiciona-se como o segundo da Europa e décimo do mundo em atividade do setor da construção naval. É o terceiro país da União Europeia em número de estaleiros em operação, concentrando a maioria de sua atividade na Galícia, Ilhas Canárias, Astúrias e País Basco.
Além disso, nosso país dispõe de uma potente rede de portos que podem atuar como polos de articulação da atividade industrial associada aos parques eólicos marinhos, melhorando suas capacidades e gerando maior atividade econômica.
Ou seja, a Espanha já dispõe de uma capacidade industrial muito significativa, com toda uma cadeia de valor que compete com sucesso na exportação de componentes e serviços para os parques eólicos marinhos do norte da Europa. De fato, das 13 soluções de fundações flutuantes instaladas até hoje no mundo, 11 foram fabricadas por empresas espanholas.
O que representa este potencial para a Espanha? Que desafios enfrentamos para explorar ao máximo esta oportunidade?
Para aproveitar a situação de liderança da Espanha em eólica marinha, assegurar o cumprimento dos objetivos e manter a competitividade das empresas espanholas é essencial desenvolver um mercado local em eólica marinha flutuante no curto prazo, de tamanho razoável para gerar efeitos sobre a economia e a indústria das regiões costeiras.
A Espanha estuda dois cenários de impacto da eólica marinha flutuante em nível nacional, que podem ser enfrentados no futuro diante da aposta pela tecnologia nos próximos anos. No primeiro cenário, de baixo impacto, onde só se instalariam 11 GW, a contribuição ao PIB da eólica marinha flutuante atingiria € 4.681 milhões em 2050, com estimativa de 24.688 empregos diretos e 18.981 empregos indiretos. No segundo cenário, no qual a eólica marinha tem alto impacto e se instalem 22 GW (coincidente com as estimativas da associação eólica europeia WindEurope para a Espanha), a contribuição anual ao PIB atingiria € 7.752 milhões em 2050, com estimativa de 43.998 empregos diretos e 33.828 empregos indiretos.
Como deve ser o roteiro a seguir para consolidar a posição de líder global e ser referência europeia no desenvolvimento tecnológico e de I+D?
O Roteiro a seguir no desenvolvimento da eólica marinha já contempla esta tecnologia como setor de grande potencial para contribuir com a Transição Justa. A Espanha tem uma base ótima para liderar o desenvolvimento da eólica marinha flutuante dadas suas atuais capacidades industriais de energia eólica, sua posição geográfica estratégica, sua competitividade, e seus centros de investigação.
Como se verá aumentada a competitividade desta energia? Como prevê seu futuro?
A tecnologia eólica marinha está experimentando um considerável desenvolvimento, avançando até sua plena maturidade tecnológica, apresentando um elevado potencial para ajudar a conseguir os objetivos de transição energética europeus e nacionais.
Do setor eólico espanhol realizamos a iniciativa do Fórum Eólico Marinho com o lançamento de um manifesto que tem como finalidade conscientizar a sociedade civil e representantes de atividades econômicas e industriais sobre a necessidade dos parques eólicos marinhos na Espanha como setor industrial estratégico e trator da recuperação econômica em nosso país. O Fórum promoverá o diálogo com setores em oposição ao desenvolvimento da eólica marinha, para que instituições, experientes, associações, empresas de diferentes setores e a sociedade confluam em um ponto de encontro para avançar na estratégia da eólica marinha flutuante na Espanha. O manifesto pode ser consultado na página do Fórum Eólico Marinho. No portal, todas as empresas, instituições ou particulares interessados podem unir-se à campanha mediante a assinatura do Manifesto.
Tomás Romagosa Cabezudo, diretor técnico da Associação Empresarial Eólica (AEE). Engenheiro Industrial e Engenheiro em Organização pela Universidade Pontifícia de Aspas (ICAI), é diretor técnico da Associação Empresarial Eólica desde 2017 e responsável, dentre outros, pelas atividades de Eólica Marinha, Integração da eólica na Rede, Monitoramento do Mercado Elétrico, Agenda Industrial, Operação e Manutenção, Extensão de Vida de Parques Eólicos, Cibersegurança e Prevenção de Riscos Trabalhistas.
É também secretário do Comitê Técnico de Normalização de UNE CTN221 de “Sistemas de Geração de Energia Eólica” e é coordenador da plataforma tecnológica do Setor Eólico (REOLTEC), encarregada de gerenciar com a Administração todos os temas relativos a inovação e I+D. Anteriormente, foi coordenador de grupo na Gerência de Energia e Infraestruturas da empresa pública ISDEFE.