A tecnologia Big Data (BD) representa uma nova revolução mundial para a sociedade, como foi em sua época a máquina de vapor ou a eletricidade, principalmente porque sua aplicação alcança muitos campos onde antes não chegava a automatização inteligente. Carlos Morrás, diretor do Mestrado em Big Data da Universidade de Comillas (ICAI), fala nesta entrevista sobre o impacto e os desafios apresentados pela tecnologia Big Bata e pela Inteligência Artificial (IA) nas organizações e no mercado profissional.
“O ingente volume de dados, que supõe analisar todos os movimentos do mouse em uma loja web, onde e como se usa um app (aplicativo), só pode ser transformado em conhecimento para melhorar essa experiência usando BD.”
Passou-se de uma análise descritiva para uma análise preditiva e prescritiva?
Sim, é a evolução natural do BD e da analítica, são análises cada vez mais sofisticadas e complexas; do simples descritivo, que computacionalmente é pouco dispendioso e sempre pode ser feito, a preditivos, em primeiro lugar, e prescritivos depois. Precisam de muito mais dados, de mais capacidade de cálculo e de técnicas cada vez mais sofisticadas, mas oferecem análises muito mais relevantes e valiosas e, às vezes, surpreendentes. É passar de descrever uma situação a propor o que é preciso fazer para que aconteça com maior probabilidade o que desejo. A mudança é radical.
Com o uso do big data as probabilidades de tornam mais precisas e detalhadas. Isto cria mais confiança ou mais reservas quanto aos resultados obtidos?
Pode ser que, em princípio, assuste a quantidade e o detalhe das probabilidades que é possível obter, pelo aspecto intrusivo e poderoso que podem representar, mas com o uso e com sua fiabilidade, o medo se torna confiança e, às vezes, também uma confiança cega sem qualquer sentido crítico. Isto também pode gerar uma confusão entre alta probabilidade e determinismo; e a verdade é que, praticamente, nada é 100% provável. Sempre há alguma probabilidade do contrário, e no relativo às pessoas, é incrível saber que nada é completamente seguro, que pode mudar para bem ou para mal.
Existe uma ética do BD?
Claro que sim. O BD é uma tecnologia muito poderosa, que cria múltiplos desafios éticos. Que a tecnologia possa fazer não quer dizer que seja ético e que devamos fazer, ou sequer que devamos trabalhar nisso, seja legal ou não. Não falo somente de dilemas de escolha de, por exemplo, quem deve tentar salvar um carro autônomo em caso de acidente: se os passageiros ou os pedestres. Também estão aspectos do uso do conhecimento que você pode ter com o BD e sua relação com a privacidade e a não discriminação. Deixo sem cobertura médica uma pessoa para o resto da vida porque sua probabilidade de ter câncer ou outra doença é alta? Evito dar crédito a uma nacionalidade, raça ou religião porque estatisticamente é problemática? Como qualquer avanço tecnológico, não se trata de limitá-lo, mas de evitar seu mau uso. É preciso pô-lo ao serviço do homem, de sua liberdade, desenvolvimento e bem-estar.
Como se traslada a arquitetura do BD para o âmbito do negócio?
Não é o mesmo fazer uma prova de conceito ou de laboratório que usar o BD na empresa. A implantação do BD significa embarcar a empresa em uma transformação digital, que requer de liderança e de perfis com formação experiente específica. É preciso transformar processos e modelos de negócio, e são necessários data engineers, data scientists, data architect, business analysts, etc.
“O BD é uma tecnologia muito poderosa, que cria múltiplos desafios éticos. Que a tecnologia o possa fazer não quer dizer que seja ético e que devamos fazer
É possível um equilíbrio entre dados, tecnologia e talento?
O talento sempre segue em frente, mesmo existindo um desequilíbrio importante no curto prazo. As tarefas mais deterministas ou mecânicas serão automatizadas pelo BD e a Inteligência Artificial (IA), mas essas áreas demandam, por sua vez, um volume ingente e exponencialmente crescente de profissionais. O desafio é formar esses profissionais com talento e capacidade para liderar o futuro, para que ajudem à sociedade a não ficar para trás. Por sua parte, os dados e a tecnologia vão juntos: o volume de dados e a capacidade de analisá-los cresce com a melhoria da tecnologia. Faz tempo que ambos os fatores estão em equilíbrio.
Como transformará a IA o mercado profissional?
O mercado profissional está em contínua transformação, adaptando-se à mutável realidade. Cada vez que aparece um avanço tecnológico, o mercado profissional se reajusta e assim está, pelo menos, desde a invenção da máquina de vapor. Igual que quando apareceu o carro, surgiram os motoristas e os mecânicos, e deixaram de existir quadras e cocheiros de carroças, acontecerá de maneira semelhante com a IA. Alguns postos já apareceram, como os Data Scientist e Data Engineer, e outros novos que surgirão com nomes ainda por definir em alguns casos, que poderiam ser Configurador de AI, Supervisor de granja de robôs, ou mantenedor de robôs. Além disso, no mercado profissional do futuro terão mais oportunidades os postos com mais relação pessoal e tratamento humano, os mais criativos e que tenham mais improvisação, os de maior valor agregado intelectual e, certamente, os que tenham maior relação com a tecnologia.
Carlos Morrás Ruiz-Falcó
O professor Carlos Morras estudou Engenharia Superior de Telecomunicações na Universidade Politécnica de Madrid e realizou o Mestrado em Business Administration and economics no IESE- Universidade de Navarra. No ano 2000, iniciou sua atividade docente em cursos de pós-graduação na Universidade de Deusto (Bilbau) e diversos cursos da Universidade San Pablo CEU, onde ensinou estratégia, visão de negócio, CRM e gestão de clientes. Em 2017, iniciou sua docência na Universidade Pontifícia Comillas ICAI, coordenando os TFM de Big Data e ministrando as disciplinas de Big Data e Governo do dado e a de Casos de negócio, do Mestrado Big Data Technology & Advanced Analytics que também dirige