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“”A Espanha pode liderar a economia do hidrogênio nos próximos dez anos”

Entrevista com Javier Brey, presidente da Associação Espanhola do Hidrogênio

Em 6 de outubro, o Conselho de Ministros aprovou o “Roteiro do Hidrogênio”, um plano de ação do governo espanhol para impulsionar o hidrogênio como vetor energético e posicionar o país como referência internacional no mercado. Embora sua aplicação no âmbito industrial há décadas acontece com sucesso, sua combinação com as renováveis o tornaram um fator potencialmente chave para o cumprimento da transição energética e do “EU Green Deal”. Javier Brey, presidente da Associação Espanhola do Hidrogênio, fala respeito da situação atual e do futuro promissor deste elemento.

  • Quando surge a instituição a que pertence e qual é o principal objetivo?

A Associação Espanhola do Hidrogênio nasce há quase 20 anos, quando um grupo de profissionais decidimos nos sentar à mesa procurando a maneira de impulsionar sua tecnologia no nosso país. Então, mesmo pronta do ponto de vista técnico, não tinha atingido o mercado como negócio. No decorrer destes vinte anos temos colaborado, trabalhado, fizemos sua difusão e divulgamos suas virtudes, com o objetivo de encorajar, promover e impulsionar o desenvolvimento industrial do hidrogênio na Espanha. Tivemos encontros com governos nacionais, regionais e locais. Há 15 anos, a associação se tornou internacional e iniciou uma colaboração com suas homólogas de outros países e assinou acordos bilaterais com embaixadas e entidades estrangeiras, para representar e defender os interesses do setor não só na Espanha, mas também na Europa e no resto do mundo.

  • O hidrogênio se apresenta como um dos elementos que contribuirão para modificar o panorama energético mundial. Pode explicar quais são as características que lhe conferem valor como vetor energético?

Por exemplo, o hidrogênio pode ser produzido de maneira renovável, como através da eletrólise, se empregarmos como energia elétrica de origem uma fonte renovável: fotovoltaica, eólica, etc. Na hora de utilizá-lo em motores de uma turbina ou em células de combustível, não emite dióxido de carbono para a atmosfera. Isto é, um combustível limpo desde sua produção até sua utilização.

Outra vantagem que merece destaque está em sua grande versatilidade, e pode ser uma solução para todos os setores: energético, transporte, indústria e domiciliar. Essa resposta global não é oferecida por outras alternativas.

  • No setor da energia é mencionado o hidrogênio verde, o hidrogênio azul e o hidrogênio cinza. Em que ponto está a diferença?

O denominado hidrogênio cinza (ou marrom) é o reformado de gás natural, que se obtém a partir de um processo que o combina com vapor de água. A uma temperatura e pressão adequadas, em presença de um catalisador, a molécula de gás é quebrada, o hidrogênio é extraído e o CO2 é liberado na atmosfera. O resultado é maioritariamente empregado hoje na indústria. Quando esse CO2 consegue ser capturado, gerando baixas emissões, é chamado de hidrogênio azul.

Contudo, a opção mais desejável é o hidrogênio verde, ou renovável, aquele produzido a partir de fontes de energia renováveis (de forma direta, através de um eletrolisador de água), biocombustíveis ou biogás.

  • Qual destas variantes é a mais produzida atualmente e quem são os principais produtores?

Hoje em dia, 95% é cinza ou marrom, embora aos poucos se observa como o impulso das renováveis e o interesse pela descarbonização da indústria favorecem o avanço do verde. O roteiro aprovado pelo Conselho de Ministros, em 6 de outubro, abrange objetivos nacionais de implantação de hidrogênio verde para 2030. Entre outras coisas, estabelece-se que para esse ano teremos entre 5.000 e 7.500 veículos, entre 100 e 150 postos de serviço, a instalação de 4 GW de potência instalada de eletrolisadores e que 25% do hidrogênio industrial terá origem renovável. Isto é, quotas viáveis começam a ser estabelecidas no mercado.

Na atualidade, o principal produtor é a indústria química e petroquímica. Digamos que é, basicamente, produzido por quem o utiliza, por quem necessita. Mas dentro desse esquema do hidrogênio como combustível alternativo, é positivo que, igual que as renováveis, possam surgir pequenos produtores. Assim como agora há particulares que instalam uma planta fotovoltaica e vendem quilowatts, seria possível vender quilogramas de hidrogênio verde. Não é, necessariamente, um negócio exclusivo das grandes empresas.

  • Sua produção e manipulação apresentam especificidades em relação aos outros combustíveis no que se refere à segurança?

Todos os combustíveis, desde o diesel ou a gasolina que movimentam carros até o gás natural ou o propano, seja qual for o uso, requerem de certo cuidado na hora de sua manipulação e este também. Portanto, as tecnologias do hidrogênio estão perfeitamente testadas para sua utilização nas mesmas condições de segurança que qualquer outro combustível.

  • O hidrogênio pode ser empregado como combustível, de forma direta, e como vetor energético, para o armazenamento de energia. A evolução tecnológica para seu desenvolvimento, foi homogênea nas duas aplicações?

Sim do ponto de vista tecnológico. No entanto, há no mercado negócios mais avançados do que outros. Já existem postos de serviço e muitas outras aplicações, mas seu uso no lar, como alternativa ao gás natural, está mais afastado do que a possibilidade de adquirir um veículo de hidrogênio. A inserção nos diferentes setores, na indústria, transporte, energia e domiciliar, chegará através do mercado e da implantação e instalação de suas tecnologias.

Do ponto de vista industrial, já está tudo pronto. Há turbinas, sistemas de produção em grande escala… Nesses anos de interesse pela descarbonização, aconteceu um grande avanço e dois alcances em torno do hidrogênio renovável: por uma parte, os eletrolisadores são cada vez mais competitivos, baratos, eficientes e seguros. Pela outra, o preço das renováveis caiu muito e essa produção requer de energia elétrica acessível. Em dez anos, as renováveis dividiram entre dez o custo da hora de quilowatt. Estes aspectos transformaram o hidrogênio verde em uma solução idônea para o desafio da descarbonização.

  • Acerca da aplicação como combustível, que indústrias foram inovadoras na utilização e qual é a situação atual?

As indústrias que tradicionalmente utilizaram hidrogênio são as que mencionei no começo: a petroquímica dentro do setor químico, para refinar gasolina, a fabricação de metanol, a produção de amoníaco e fertilizantes. Em menor escala, a indústria do vidro, do cristal, do aço para condutores; e em escala ainda menor, a indústria da alimentação e farmacêutica. Mas na maioria desses casos, continuamos falando do hidrogênio cinza.

Se centrarmos nossa atenção no hidrogênio verde, podemos asseverar que as empresas mais importantes do mundo estão trabalhando com isso. Por exemplo, o setor do transporte está anunciando protótipos de aviões, navios, trens, ônibus e até a aquisição de alguns deles.

  • E em relação a seu uso como vetor energético para armazenamento, que potencial apresenta e em que nível de desenvolvimento estamos?

O potencial é enorme: falamos em armazenar toda a energia restante da Espanha nos primeiros 180 dias do ano, e que poderíamos obter de maneira 100% renovável, para utilizá-la nos seguintes 180 dias do ano. É um armazenamento ingente e seu desenvolvimento está conecto à instalação de renováveis. O Plano Nacional Integrado de Energia e Clima (PNIEC) assinala que, para o ano 2030, deveremos instalar 59GW de renováveis e fechar 14GW de não renováveis. À medida que percorremos esse caminho, cada vez faltará mais gestão energética. E, portanto, mais soluções baseadas no hidrogênio para esse armazenamento (em grande escala e sazonal). Hoje em dia não acontece, mas a tecnologia está preparada.

  • A seu critério, quais são os grandes desafios que deve evitar o hidrogênio para se consolidar no setor energético?

É fundamentalmente um problema de regulação, normas e estratégia. Isto é, relaciona-se mais com o papel do que com um tema de desenvolvimento. E mesmo faltando regulamentação e normas, podemos asseverar que a estratégia de país foi aprovada com o Roteiro do Hidrogênio, porque dá indicações de desenvolvimento a empresas, universidades, usuários e instituições. Que segue agora? As normas e a regulamentação. Mas insisto: do ponto de vista tecnológico, estamos prontos. Agora é o momento de que sua utilização seja padronizada.

  • Que grandes projetos, consumados ou em andamento, baseados no uso do hidrogênio você pode salientar?

A Espanha realizou uma convocatória para grandes projetos, simplesmente para conhecer o interesse neles. Assim, foram recebidas 28 propostas de 26 empresas. Essas propostas compreendiam toda a cadeia, da produção do hidrogênio renovável ao uso em diferentes áreas de transporte, frotas, indústria, como combustível alternativo, etc. Isto é, atualmente existe grande interesse na Espanha. O roteiro lista os investimentos dos próximos dez anos em 8.900 milhões de euros.

A Europa apostou pelo hidrogênio renovável, mas não pode produzir tudo o que precisa e deverá importar. Porém, no caso da Espanha, não somente é possível produzir o necessário para o autoabastecimento, mas poderá exportar para o norte da Europa. E não só produtos, mas também tecnologia e equipamentos, porque contamos com toda a cadeia de valor. Além disso, quem chegar da África o fará através de nosso país, que se tornará um ponto de entrada.

  • Quais serão as manchetes que terá o hidrogênio em um prazo de dez anos? Quais são as perspectivas de desenvolvimento estimadas pelos especialistas?

As perspectivas de desenvolvimento, precisamente, são as que aparecem no “Roteiro”. Estabelece-se que teremos, como mencionei acima, aproximadamente 7.500 veículos, duas linhas de trem e 25% da indústria será verde ou renovável. Então, contamos com um excelente terreno fértil para liderar, nos próximos dez anos, a economia do hidrogênio, não somente na Europa mas no mundo.

Javier Brey é engenheiro formado pela Universidade de Sevilha e Doutor pela Universidade Pablo de Olavide, em Sevilha. Realizou sua tese de doutorado sobre Economia do Hidrogênio.

Em 1998, iniciou sua trajetória profissional no âmbito do hidrogênio e das células de combustível na empresa Abengoa. Em 2016, deixa a Abengoa para criar e dirigir H2B2: uma empresa tecnológica voltada à produção limpa mediante eletrólise polimérica.

É presidente da Associação Espanhola do Hidrogênio (AeH2), vice-presidente da Associação Europeia do Hidrogênio (EHA), vice-presidente da Associação Espanhola de Células a Combustível (Appice) e secretário da Plataforma Tecnológica Espanhola do Hidrogênio e das Células a Combustível (PTE- HPC).

É professor associado na Universidade Loyola Andalucía, onde ensina aos alunos as vantagens da Economia do Hidrogênio.

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